sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Fim de festa

É Natal. Tralalá. Estrelinhas. A brilhar...
Não. Velho demais para essas baboseiras. Sem neve, resta se contentar com uma garoa simpática, que não censura ninguém de se aventure debaixo dela. Até encoraja. A mim.
Enquanto a tarde se prepara para cair no fatídico dia 25, as coisas começam a ficar interessantes. Pelas ruas encontramos seres embebidos pela morosidade, voltando para casa. O grande teatro acabou, as famílias de novela do Manoel Carlos já se desfazem, as maquiagens perderam efeito. Qual dos sobrinhos está mais encaminhado na vida? Que prima ganhou a disputa do namorado mais bonito? Quem engordou? E as alfinetadas que a tia mal humorada distribuiu? Questões que permeiam o balanço no retorno. Alheias, crianças aproveitam seus presentes antes de os jogarem na caixa dos brinquedos de todo dia. Ah, como é admirável a magia comprada nas Lojas Americanas!
Mas, para a salvação da diversidade, não só com estereótipos imperfeitos da lógica televisa é composto meu trajeto. Na pista de caminhada encontro outros poucos guerreiros. Eles não abrem mão da saúde por causa da visita do bom velhinho. Ou estão só matando o tempo. Tanto faz. Estamos no mesmo clube. Indo para um exemplo extremo, encontro os bares. Não cheios, mas freqüentados. E não falo do modelo Savassi, bares para o capital circular em doses caras de caipirinha e cervejas inflacionadas. Refiro-me a butecos, com os desclassificados que recusamos ver. Vozes descontroladas desferem risos. O tradicional som de garrafas sendo abertas e as tampinhas lançadas ao desleixo do proprietário. Música brega para lamentar os dilemas da humanidade. Partidas na sinuca com mesa viciada, patrocinados por doses de 51. Famílias formadas pelo amor ao álcool, cercadas pelo fantasma da cirrose, seu anjo do apocalipse.
É Natal. Para todos eles. Tempo de festejar, cada um do seu jeito. Por mais que a euforia de alguns possa apontar para o contrário, vejo ali uma festa melancólica. Mesmo que encarada como um conto de fadas falso, a reticente frase “e viveram felizes para sempre” não pode ser imitada. E, no fim da festa, não é fácil recolher os cacos com a barriga pesada pelo lombo assado e a cabeça girando graças ao excesso de sangue de Cristo convertido em vinho Canção.

Guess its over now, I seem alive somehow

When its out of sight, just wait and do your time

You know its been on my mind

Could I stand right here

Look myself in the eye and say

That its over now

We pay our debt sometime

Yeah, we pay our debt sometime

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Leveza

Com o tempo, algumas sensações acabam virando item raro em nossas vidas. Refiro-me aqui a uma em particular: aquela leveza de acordar sem sentir o peso de alguma obrigação qualquer a nos torturar. Poder dedicar nossa atenção a atividades que nos ocorram, pelo prazer que elas possam nos proporcionar. Estar simplesmente aliviado, livre de alguma opressão prévia... como isso é raro! Nossa cultura de prezar a eficiência, buscar tirar sempre algum aproveito do tempo, nos faz, ao menos em tese, encontrar espelho na formiga, em detrimento da boêmia cigarra.
Forçando a memória, lembro de ter vivido alguns dias de alívio há não tanto tempo atrás. Muito embora, em uma situação particular. Chegando o fim do ano passado, eu na minha natural situação de perdido e confuso, encontro-me ainda mais desolado: o único plano que eu tinha ruiu, sem plano B, nada me restava. Abstenho-me de ficar aqui enumerando os dilemas que me ocorriam, mas sintetizo que não estava bem. E, em uma manhã, provavelmente de dezembro, eu fui fazer exame de sangue e, na volta, simplesmente me senti leve. Eu não estava feliz, naquela época escrevi para meu blog um texto lamentoso sobre dias em que mesmo os passarinhos estavam tristes. Era fim de ano, eu voltaria para a cidade natal, onde certamente seria cobrado, naquela pressão interiorana detestável, por resultados que eu não obtivera. As festividades daquela época, natalinas, por si só, deprimentes. E, por algum motivo, eu estava leve. Passei os dias seguintes lendo a biografia do Garrincha, Os subterrâneos de Jack Kerouac (de onde tirei o trecho sobre passarinhos tristes) e garimpava filmes na tv. Leve.
“I miss the confort in being sad”, diz Kurt Cobain em Frances Farmer will have her revenge on Seattle, angustiada música de In Utero. Sentir falta do conforto em estar triste... A princípio, isso parece contraditório. A tristeza não pode confortar, pois não é um sentimento agradável, pelo qual ansiamos. Estar triste não é bom – é triste, porra! Todavia, sim, acredito que a tristeza possa nos proporcionar conforto. Ela nos equilibra. Diferente da alegria, eufórica, que tememos perder a qualquer momento, a tristeza é linear. Quando ela nos acomete, perdemos as expectativas, o que dá alguma serenidade.
Espero, com muita força, que a leveza não seja acessível somente nessas situações. Porém, talvez seja assim. E nossa redenção, a essência da extrema leveza, só possa ser encontrada no fundo do poço.