Com o tempo, algumas sensações acabam virando item raro em nossas vidas. Refiro-me aqui a uma em particular: aquela leveza de acordar sem sentir o peso de alguma obrigação qualquer a nos torturar. Poder dedicar nossa atenção a atividades que nos ocorram, pelo prazer que elas possam nos proporcionar. Estar simplesmente aliviado, livre de alguma opressão prévia... como isso é raro! Nossa cultura de prezar a eficiência, buscar tirar sempre algum aproveito do tempo, nos faz, ao menos em tese, encontrar espelho na formiga, em detrimento da boêmia cigarra.
Forçando a memória, lembro de ter vivido alguns dias de alívio há não tanto tempo atrás. Muito embora, em uma situação particular. Chegando o fim do ano passado, eu na minha natural situação de perdido e confuso, encontro-me ainda mais desolado: o único plano que eu tinha ruiu, sem plano B, nada me restava. Abstenho-me de ficar aqui enumerando os dilemas que me ocorriam, mas sintetizo que não estava bem. E, em uma manhã, provavelmente de dezembro, eu fui fazer exame de sangue e, na volta, simplesmente me senti leve. Eu não estava feliz, naquela época escrevi para meu blog um texto lamentoso sobre dias em que mesmo os passarinhos estavam tristes. Era fim de ano, eu voltaria para a cidade natal, onde certamente seria cobrado, naquela pressão interiorana detestável, por resultados que eu não obtivera. As festividades daquela época, natalinas, por si só, deprimentes. E, por algum motivo, eu estava leve. Passei os dias seguintes lendo a biografia do Garrincha, Os subterrâneos de Jack Kerouac (de onde tirei o trecho sobre passarinhos tristes) e garimpava filmes na tv. Leve.
“I miss the confort in being sad”, diz Kurt Cobain em Frances Farmer will have her revenge on Seattle, angustiada música de In Utero. Sentir falta do conforto em estar triste... A princípio, isso parece contraditório. A tristeza não pode confortar, pois não é um sentimento agradável, pelo qual ansiamos. Estar triste não é bom – é triste, porra! Todavia, sim, acredito que a tristeza possa nos proporcionar conforto. Ela nos equilibra. Diferente da alegria, eufórica, que tememos perder a qualquer momento, a tristeza é linear. Quando ela nos acomete, perdemos as expectativas, o que dá alguma serenidade.
Espero, com muita força, que a leveza não seja acessível somente nessas situações. Porém, talvez seja assim. E nossa redenção, a essência da extrema leveza, só possa ser encontrada no fundo do poço.
terça-feira, 6 de outubro de 2009
Leveza
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nem gosto tanto da adélia prado, mas de alguma maneira seu post me lembrou um belo poeminha dela, chamado "toada", que diz:
ResponderExcluir"cantiga triste
pode com ela
é quem nao perdeu a alegria".
de fato, a leveza -- que constitui, por sinal, uma das nove propostas de ítalo calvino para o novo milenio -- é uma grande condicao, tao difícil de se alcancar que já se transformou em virtude. ela evoca um estado de suspensao, de aceitacao e "resignacao", que de fato lembra bastante a tristeza... há uma certa tristeza que é leve: aquela de aceitar o dia que virá tal como ele é, desde que nao traga mais sofrimento.
leveza e força pra continuar...
ResponderExcluirsim... é difícil acordar leve... mas nesses últimos dias tenho acordado de forma diferente. não sei se seria leve... mas com certeza não-pesada. e assim vou... flanando nos transitos que consigo construir nesse jogo sem fim. mas talvez valha a pena frisar o que estou chamando de leve. bom, justamente isso: leve.
livre de cargas materiais. ora, os compromissos, os medos, as angústias, a ansiedade, tudo isso é material! e estas cargas estão transitando entre uma boa e uma má solubilidade.
Certamente os momentos de maior leveza em minha vida, foram aqueles em que mais triste estava.
ResponderExcluirSerá que sempre terei esta parceria?