A morte do ex-governador de
Pernambuco, o candidato à presidência Eduardo Campos, comoveu milhões de brasileiros.
Além de adorado por grande parte da população de seu estado, o neto de Miguel
Arraes era a esperança de alguns eleitores, o nome da vez para a tal “renovação
na política” (não sei se filho/ neto de peixe é, além de peixinho, renovação. Mas não vem ao caso). E, independente de quem
seja, a interrupção abrupta de uma vida é sempre merecedora de pesar.
Em contrapartida, causou
estranhamento a quantidade de selfies
(as fotos de si mesmo) tiradas durante o velório de Campos. Emblemática foi a
imagem de uma mulher, jovem, erguendo o celular, tombando a cabeça para o lado
e mobilizando a musculatura facial em um sorriso. Tudo, claro, com o caixão ao
fundo. Virou même.
O fenômeno das selfies tem uma justificativa
tecnológica: com celulares e tablets
é possível ao modelo ser também o fotógrafo, visualizando o enquadramento na
tela, arrumando o beicinho e, olha o passarinho!, tirar a foto. No passado,
sobretudo antes da era digital, apertava-se o botão e só quando era feita a
revelação do filme saberíamos se a foto ficou boa. Isso se não queimava. Aí, já
era, o momento histórico ficaria somente na memória.
Há, porém, mais por trás das selfies do que só tecnologia. É a reinvenção
do mito de Narciso. Na mitologia grega, o jovem se apaixonou pela própria imagem
refletida na água de uma fonte e morreu se contemplando. No século XXI, ele
tiraria uma foto no celular e já compartilharia no Instagram, com alguns filtros para ficar mais bonito/ estiloso, e
ficaria se admirando em casa, enquanto os amigos lhe dão “like”. (E eu já tratei do tema aqui )
A cultura da selfie diz mais ou menos assim: “é
preciso registrar tudo. Mas não só registrar, ME registrar, também. E quem
melhor para ME registrar do que EU mesmo?” É muito autoamor, muita autodevoção.
Narciso curtiu.
Com tanto amor próprio que as
pessoas acabam perdendo a noção do que está acontecendo ao redor. Esquecem que
há um mundo bem mais complexo do que a timeline
do Facebook. Pouco importa se tem
sete mortos e suas famílias ou se um furacão devastou Nova York (não foi selfie, mas a Nana Gouveia também já
aprontou com o bom senso, lembram?). No mundo da selfie o outro é
importante, sim, na medida em que gera “likes”,
compartilhamentos ou comentários como “lindos! amuuu” e por aí vai.
Ou seja, com tanta tecnologia
promovendo a comunicação, a adoração própria faz o padrão geral ser o monólogo.
E aí, não importa se é momento de tristeza, o importante é o fetiche da imagem
de si mesmo. É preciso, mais do que experimentar o mundo, registrar-se
experimentando o mundo.
Definitivamente, o “Vórtice de
Perspectiva Total” como instrumento de tortura nunca fez tanto sentido. Descrito
no livro “O restaurante no fim do universo”, de Douglas Adams, o "Vórtice" mostra a
quem está em seu interior sua importância na perspectiva do universo. Ou seja,
um pontinho invisível sobre outro pontinho mínimo.
Mas, e aí, á fez uma selfie hoje e desejou bom dia aos
amigux?
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