terça-feira, 10 de novembro de 2009

Bachianas aos finados

“Nota de falecimento. Comunicamos o falecimento de (nome do defunto). Seu corpo está sendo velado na rua (e endereço do velório). Seu sepultamento está marcado para as (horário do enterro). Comunicamos o falecimento de (nome do defunto, de novo), mas conhecido por (apelido)” em caso de parente mais famoso, adicionar informação.

Isso repetido três vezes, com abertura e encerramento à cargo da Bachiana nº5, do Villa-Lobos. Assim eram anunciadas as mortes do bairro na Igreja próxima à minha casa. Provavelmente continua próximo disso.
Lembro bem da sensação de susto quando começava o canto de soprano nos alto-falantes sagrados. Em instantes, cabeças apontavam das janelas das casas. Os cidadãos dirigiam-se para as portas da rua de bares, padarias e afins. Quem passava pela rua desacelerava o passo. Todos de orelhas em pé. E, quando no ápice da atenção, a voz do narrador ia dizer o nome do morto, algum carro passava, muitas vezes até caminhão, entupindo com barulho de motores o silêncio alvejado. Era muito difícil entender de primeira o anúncio.
Eu logo perguntava para minha mãe: “Você conhece?” Geralmente a resposta era afirmativa. Ela descrevia algum parente de outra pessoa que eu também não fazia a menor idéia de quem fosse. A morte era uma coisa vaga para mim, só acontecia com desconhecidos.

Pensamos em tantos projetos para nossa vida: obter riqueza, escaladas profissionais, relacionamentos confortáveis, viajar pelo mundo, ver grandes shows... ou, o mais básico, encontrar um sentido para levantarmos nas manhãs. Gastamos boa parte de nosso tempo empenhados em concretizar sonhos, para usar o termo mais piegas possível. Sofremos, e sofremos nessa jornada. Mas, no final, a glória está assegurada: nosso nome entoado em uma torre de Igreja.