quinta-feira, 31 de março de 2011

Projeto Pagode em Prosa #2

O morro era íngreme, difícil para subir de bicicleta. Mas não para Cássio, mesmo após um dia cansativo de treino. Em seus 16 anos, algo que ele aprendeu era que ser forte era questão de escolha. Não era bom no futebol, então foi para o vôlei e virou capitão do time do colégio. Estudar não era sua atividade predileta, assim, Cássio compensava esse fato com boas amizades, que o salvavam nos trabalhos escolares e nas colas para as provas. Como aquele morro estaria no seu caminho para casa, ou seja, eles se encontrariam diariamente, tratou de criar forças nas pernas para superá-lo. Mas, apesar dessa jovem e bem construída vida, da popularidade entre os colegas e da atenção de seus pais, ele sentia no peito uma dor até então desconhecida. Cássio estava triste. E o motivo atendia por um nome: Marina. Sua namorada há mais de um ano, a garota resolveu que queria renovar sua vida. Seus pais iriam transferi-la para um colégio particular, então, Marina pensava que o ideal era terminar seu relacionamento. Era nova demais para compromissos. Orgulhoso, Cássio aceitou o fim do namoro sem reclamar. Mas, por dentro, estava destruído. Ele, que pensava que suas piores punições eram as de praxe, como ser proibido de jogar vôlei ou ficar depois das aulas arrumando alguma bagunça feita por ele, conhecia agora seu pior castigo. E não tinha feito nada para merecê-lo. Ou tinha? Será que ele não tinha sido um bom namorado? Ou ela estava interessada em outro? Sua mente estava confusa. Sentia a falta de Marina, era difícil se imaginar feliz sem ela. Não tinha ânimos para mais nada. Enquanto pedalava, cada vez mais forte, ele via a lua, A noite começava a cair. Era lua crescente, a mais elegante dentre as quatro fases. Cássio, que não era de perder tempo com essas coisas, ficou a admirá-la. Talvez Marina também o fizesse e, mesmo longe, eles estariam unidos por aquele astro. Diante dessa possibilidade, ele se concentrou, pensou em todo amor que sentia por sua garota, na esperança de que a lua, sua cúmplice, o transmitisse para ela. Eram tão felizes juntos, alguém tinha que lembrar Marina disso. Que fosse a lua, então.Enfim, o morro terminou. Ofegante, Cássio resolver desviar-se do caminho de casa. Pois, por mais que contasse com a ajuda da lua para dar tal recado, talvez mandar flores também fosse uma boa idéia. Só pra garantir.


Canção homenageada: "Recado à minha amada (Lua vai)" - Katinguelê

quinta-feira, 24 de março de 2011

Projeto "Pagode em Prosa" #1

Lá estava Claudinei, no bar de sempre, sentado no balcão, flertando com uma loira. Ela vestia uma blusinha apertada e uma saia esvoaçante. Pernas espetaculares e seios fartos. Flertar com alguma mulher era algo que Claudinei sempre fazia. Elas é que raramente flertavam de volta.
Só que, naquela sexta, o mundo deveria estar mais errado que normal. A loira, não fazia gestos irritados para ele. Nem beijava alguém para despistá-lo. Não. Por incrível que pareça, como nunca antes naquele bar, a mulher dava mostras de estar gostando. Até sorria para ele. Então, Claudinei foi para o ataque. Fazer história.
Na terceira música que dançaram juntos, depois de dizer que se chamava Ruth e era secretária, a loira foi direta:
__ Você é pedreiro, então? Estou com um problema no meu encanamento. Sei que não é seu trabalho, mas, não quer ir visitar meu apê e dar uma olhada nisso para mim? Amanhã?
Claudinei, sem reação, gaguejando, tentou dissimular sua surpresa em ser convidado para a casa de uma mulher. Tentou ser discreto:
__ De... demorô!
Parecia sonho. A loira deu seu telefone, explicou onde morava e foi embora. A situação já o fazia delirar. Ao que tudo indicava, venceria a “seca” que já durava um bom tempo e com a mulher mais espetacular que ele vira naquele bar. Quiçá ao vivo. Já estava apaixonado.
E, no sábado, ele cancelou um churrasco em que iria e foi para o prédio de Ruth. Um bom bairro. Levou também suas ferramentas, pois, vai que tinha mesmo algum encanamento para arrumar?
De fatp. Ruth deixou-o na cozinha, ocupado com uma pia que parecia ter todos os entulhos do mundo. Ela ficou na sala, assistindo tevê. Às vezes, passava para o quarto, e Claudinei ficava perdido em suas pernas, seu gingado, seu short curto. Ficava aceso. Ela lhe trazia água, dava alguns sorrisos...
Serviço terminado, a tarde já quase indo embora, Ruth convidou Claudinei para ir à sala. Ofereceu-lhe whisky:
__ Nossa, cansado como estou, vou capotar aqui se tomar isso.
__ Não tem problema, tem espaço na minha cama para nós dois...
Pronto, era a deixa que ele queria. A bebida desceu gelada, mas a companhia da moça o esquentava. E uma coisa leva à outra. Foram para o quarto e, enquanto se beijavam, Claudinei pensava na injustiça que era não poder tirar uma foto dela assim, sua, e mostrar para a turma o mulherão que estava pegando.
Até que, Ruth tomou a iniciativa e se despiu. E, em seu corpo feminino, algo estranho o encarara. Um órgão que, definitivamente, ele não esperava encontrar ali. Claudinei foi recuando, assustado, sem saber o que fazer. Os segundos mais longos de sua vida. Ruth deu uma risada e logo apareceram algumas pessoas com câmeras e microfones. Ele havia caído numa pegadinha bem obscena. Queriam gravar seu rosto de espanto diante “daquilo”. Conseguiram. Se ele queria que os amigos o vissem com a loira, seu desejo estava atendido.
Desiludido, só restou a Claudinei voltar para casa. Tinha pensado que viveria uma história de amor. Mas era cilada.
(Canção homenageada: Molejo - "Cilada")

terça-feira, 22 de março de 2011

#microconto 3

Sua tarefa era ficar na esquina, cuidando da movimentação, enquanto os operários a violavam. A moça? Não. A rua. Em pouco tempo, pouco restaria dela.

quarta-feira, 16 de março de 2011

#microconto 2

Fecho os olhos e o motor do ônibus parece um mantra entorpecente. Pela janela, rodas dos carros em sentido contrário levantam spray de água da chuva. De tanto deslizar, de lá para cá, e vice-versa, já não sei o que deixo para trás. Tampouco o que vou encontrar.

quarta-feira, 9 de março de 2011

#microconto

Ele viu, nas Cinzas, a denúncia de sua confusão. Errou o feriado. Era Carnaval, mas ele viveu quatro longas sextas-feiras santas.