domingo, 18 de abril de 2010

Esperas

13 de novembro de 1993.

Oscar estava impaciente. Talvez fosse a situação, mas também podia ser a sala. Muito clara, paredes limpas, pessoas com uniformes brancos. Uma tv ligada sintonizava o Jornal Nacional, com Cid Moreira e Sérgio Chapelin, e naquele dia, nada tinha acontecido de novo.
E tinha as pessoas ao redor. Todos tensas, esperando notícias. O que mais tem para se fazer em um hospital? Na sua frente, um homem robusto, talvez um palmo maior que ele, dentes amarelos e bocejos escandalosos. Ao lado, uma senhora muito perfumada, folheando ferozmente uma revista de amenidades. Era pior ficar ali. Oscar, então, foi caminhar pelo corredor da recepção.
O hábito de fumar fazia falta nesses momentos. Ele nunca tivera vontade de consumir cigarros, achava a fumaça fedida e a dependência, deprimente. Mas quando ele estava esperando algo, nossa, como fazia falta um cigarro! Abstrair-se do mundo exterior e buscar refúgio nas tragadas. Não ser visto como alguém com expressão de “caramba, chega logo!”, mas sim como alguém fumando. Só isso.
Agora, com um cigarro, ele estaria tranqüilo, fitando o horizonte e pensando que, se viesse um menino, se chamaria Henrique; se fosse menina, aí a mãe é quem daria o nome. Que jogaria bola com o menino e o colocaria numa escolhinha de futebol, quando fosse o tempo. Que tomaria chá com a menina e suas bonecas. Que compraria uma bicicleta com garupa para passear com a criança por ruas tranqüilas e que a levaria no parquinho todas as semanas... Mas não tinha cigarro, então ele foi comprar um café.
No caminho, aparece a enfermeira. Era um menino.

11 de abril de 2010.

Duas horas da manhã e Oscar em seu carro, esperando. Um cigarro faria isso ser menos cansativo. Seus cabelos haviam diminuído, as lentes de seus óculos, engrossado, a barriga, arredondado, mas ele continuava aflito com esperas. Ao menos tinha o som, ele escutava o clássico Led Zeppelin IV. Batia no volante no ritmo do John Bonhan. E nada do Henrique.
A rua já estava agitada, muitos carros saindo. Ele estava perto do Mineirão, onde acabara de acontecer o Axé Brasil 2010. Oscar era só mais um dos pais esperando os filhos saírem do evento. Então, ele viu o Henrique. Bermuda com estampa colorida, abadá, tênis de marca. O penteado da moda, cuidadosamente arrumado com gel. Chegaria no carro e, disparando uma porção de gírias, contaria que o show tinha sido ótimo, que havia inúmeras meninas bonitas e que ele beijou muitas delas. E falaria para o pai tirar o Led Zeppelin e colocar numa rádio qualquer.
Agora, Oscar sabia o que tanto o incomodava nas esperas: nunca se sabe se elas realmente vão valer a pena.
Talvez, seria melhor se tivesse nascido uma menina...

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Ouvindo o dia

São 10:10 e eu resolvo ouvir o dia. Nenhum outro sentido, vou experimentar o mundo através audição. A primeira sensação é a de que o silêncio é uma falácia. Impera um ruído constante, como se a Terra fosse uma grande casa de máquinas. Motores de automóveis por todos os lados, em muitos tons. Freadas agudas de carros, buzinasquase uma barriga fazendo digestão.
Então, vêm os sons das construções. Coisas sendo marteladas, furadas, partidas. O metal afiado gira e racha ao meio a madeira. A cidade está em transformação e constante são seus sons.
Dos céus, outro motor surge: algum helicóptero risca morosamente o céu, para se certificar que tudo aqui em baixo segue na mesma.
Barulheira.
Pra variar, algo de bucólico. Parcos pios de pássaros, muitos enjaulados, salpicam algo não mecânico nisso. E ouço o bater das asas de alguma pomba folgada perto de minha janela. Até parece que estou no campo...
Pfffff.
Novamente, ruídos metálicos. Algum vizinho bate panelas, gavetas com talheres, liga a torneira. É a magia de fazer o almoço. Uma tv ligada, possivelmente em algum programa em que se debata como cuidar dos filhos problemáticos ou a vida das celebridades do último Big Brother.
Alguém esta chutando uma garrafa na rua.
Isso tudo acontecendo junto, e se repetindo, repetindo de novo, mais alto...
Ok. Mundo experimentado. Mas agora, acho que vou escutar alguma música no fone de ouvido. Barulho por barulho, é mais fácil estudar com um que seja tonal.