quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Um Conto de Natal

O despertador gritava ensandecidamente, mas Papai Noel relutava em levantar. Era véspera de Natal, dia intenso no Pólo Norte. Qual saco levaria o quê, o itinerário a ser traçado, o esquema de distribuição dos presentes... tudo era definido naquele momento. Como um grande general, o bom velhinho tomava as rédeas e definia o passo a passo daquela longuíssima meia-noite que o aguardava. Assim era habitualmente, mas não naquele ano.
Era o primeiro Natal depois da morte da Mamãe Noel e ele sentia falta de sua esposa. A convivência dos dois não era livre de indisposições, a mulher não aceitava o pouco crédito que levava, apesar do toda a sua participação na preparação do Natal. O velho, por sua vez, conservador, achava que era assim que tinha de ser. Agora, sozinho no comando, ele se sentia perdido. Não encontrava motivação em seguir só.
Porém, ele precisava levantar. Tomou, aos resmungos, o café que uma duende havia preparado. Há tempos Papai Noel estava mal humorado, nem seus antidepressivos davam conta. Ralhou com os duendes, questionou a capacidade das renas. Pela primeira vez não haveria a Grande Festa de Pós-Natal, evento no qual compensava seus duendes pelo serviço intenso e não remunerado. Naquele ano, haveria folga e nada mais.
Noel não encontrava inspiração para trabalhar. A logística do trajeto da mágica natalina não se delineava fácil em sua mente. Praguejava contra o destino, que o incumbira de tamanha responsabilidade. Tudo que queria era ser um velhinho, aproveitando das filas com prioridade e da liberdade para deseducar os netos.
Então Rufus, um duende esperto, percebeu que o estresse de Papai Noel não seria tratado com remédios que não atingissem a alma. Buscou uma garrafa de vodca e disse para seu patrão: “Noel, se não dá para fazer o Natal do jeito que deve ser feito, que seja feito no jeito que der”. O patriarca natalino entendeu o recado. E pediu outra garrafa, pra garantir a magia.
Aquele ano ficou conhecido como “O Natal Surpresa”. O bom velhinho atrasou em algumas casas, trocou diversos presentes e não foram poucas as crianças que juraram ter visto Papai Noel tropeçando na árvore de Natal ou seu trenó em trajetos irregulares pelo céu. Mas foi uma noite diferente. E a festa do dia 26, então cancelada, aconteceu por dias.
Foi assim que Papai Noel, mais uma vez, salvou o Natal. Só que, desta vez, dele mesmo.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

O que vai ser quando crescer?

Sempre quis ser jogador de futebol. Porque eu sou bom, zé, você vai ver. Quando tô com a bola, ninguém tira ela de mim. Uns me chamam até de capeta dribladô, porque eu sou foda, mesmo. Vem gente de todo tamanho, aqueles fortões mesmo aqui da comunidade, e eu vou fazendo fila. Levanta um poeirão no campinho e os manés vão só caindo.
Uns me chamam de fominha. Sou mesmo, porra! Eu sou bom, melhor a bola comigo do que com quem não sabe jogar, né não? Vou driblando, driblando, até conseguir chutar pro gol. Sou artilheiro na maioria dos jogos, mas já me disseram que jogador tem que ter visão de jogo, sabe, passar a bola pros outros na hora certa. Eu não jogo assim.
Mesmo com esse problema, eu continuava querendo ser jogador de futebol. Eu sou baixinho, não sou inteligente, canto mal. Não vou virar ator, doutor, nem funkeiro. Mas num quero ser igual meu pai, que trabalha pra caralho e tá sempre na merda. A gente mora num barraco igual todo mundo, eu não quero isso não, tá louco.
Quero que todo mundo olhe pra mim com respeito, que me agrade. Que parem o que estiver fazendo pra me convidar pra almoçar, os pais querendo que eu case com as filhas deles, sabe, essas coisas. Igual o Macu, que mora aqui na rua. Ele é jogador e nem é muito bom, joga no Bangu. Mas todo mundo gosta dele, fala que devia estar em time melhor, pergunta de seleção. O Macu usa umas roupas legais, óculos escuro, é foda. E se fosse jogador de time grande, seria melhor.
É o que eu pensava, que ser jogador de futebol era o que eu queria. Aí teve semana passada e eu mudei de idéia. A polícia invadiu o morro, sabe, com força mesmo. Era só aquela correria nas ruas, um tanto de policial com aquelas armas bem mais poderosas que as dos traficantes. E aqueles caras que todo mundo tem medo aqui, que se mexe com irmã nossa a gente tem que ficar quieto, foram todos expulsos. Ou foram presos ou levaram bala. Porra, zé, aqueles polícias é que tem poder, eles que mandam quando querem e a gente tem que respeitar. Eles são fodas. Então, nem ligo de ser jogador fominha. Já decidi, quando eu crescer, vou ser do BOPE.

domingo, 21 de novembro de 2010

Viajante Solitário

Nas costas, a mochila pesada, uma bolsa ajeitada no ombro e, nas mãos, um milk shake e a passagem, que estendo ao motorista. Não devo ser uma das figuras mais apreciáveis nessa situação, mas ela escancara o quão despreocupado estou. Com tudo. Isso é o bom de viajar, rodeado de estranhos, é mais fácil ignorar o mundo ao seu redor.
Serão doze horas pela frente. Volta de Brasília para Belo Horizonte. Ônibus cheio, o que elimina a vã esperança de ter uma poltrona só para mim. Agora, espero somente que não seja nenhum folgado o que vá sentar ao meu lado, muito menos que ronque.
Na minha janela, tento ignorar o resto. As sociabilidades se formando nas poltronas ao redor, os afobados tropeçando rumo ao banheiro, o cheiro dos lanches sendo abertos. Inclusive a mulher que brada estar sendo assaltada pelo colega do seu lado. Ele retruca chamando-a de louca. Deixo o posicionamento para meus demais colegas de viagem. Bate-boca para os ávidos no Programa do Ratinho da vida real, prefiro traçar pensamentos que mal conseguem se fazer coesos.
A experiência da estrada é sempre valiosa. Porque no deslocamento físico encontramos, talvez, a metáfora que reproduzimos diariamente. Ir de encontro a algo, desconhecido ou não, carregando nossas expectativas de que “everything is gonna be all right”. Trazer na bagagem a idéia do recomeço, que nos purificará dos erros já cometidos. Ou, simplesmente, vivenciar esse mundo de idas e vindas, dinâmico. Aliviando-nos da angústia de não “se encaminhar”, é bom apreciar a certeza de que são muitos os caminhos para errarmos, como um bêbado voltando para casa de manhã.
Viajar é bom, principalmente quando não estamos impregnados pelas ilusões de certezas. Deixar nossa linha de pensamento ir se enroscando livremente. Sem pretender nem mesmo tirar inspiração para algum bom texto (o que, definitivamente, não acontece aqui). Certamente ainda há muito para se preocupar. Mas eu prefiro focar minha atenção na tarefa de trazer ilesas as duas plantas hidropônicas que levo de souvenir.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

A evidência do crime

Era um bairro tranqüilo. Onde as pessoas estruturam suas vidas indo à igreja nos domingos e até durante a semana. Comprando legumes no sacolão. Compartilhando com a família o pão quentinho da padaria pelas manhãs. Um bairro de crianças e mães levando-as para creches, de adolescentes e seus rostos divididos entre acessórios da moda e as espinhas de sempre, do louco respondendo impropérios aos desocupados que o hostilizam, de cidadãos caminhando para cuidar da saúde.
Enfim, era um bairro pacato.
Era, no passado. Porque, então, surgiram eles.
Muitos.
E grandes.
Com rostos indiscretos, saltavam das tocas com o frenesi de seus olhos negros. Intimidavam a todos com seus guinchos pela noite, em seus movimentos sagazes no gramado do supermercado. Instalando em todos o incomodo. Só por existirem.
Pois os ratos não eram apenas moradores indesejados. Eles estavam ali escancarando a imperfeição do bairro. Nas sujeiras displicentemente deixadas pela rua. Nas poças de água pestilenta ignoradas. Na cozinha do mercado que os atraía. No esgoto de onde eles vinham. No lixo jogado em terrenos desocupados. Na herança do desleixo histórico quando essas ratazanas asiáticas vinham clandestinamente em navios portugueses. Os roedores diziam ao bairro que, por mais que planejassem suas rotinas na cadência do Clube da Esquina, haveria sempre o perigo do compasso se perder.
Então, certo dia, um pó azul claro, cor do céu em manhãs de domingos, apareceu por ali, nos buracos onde os invasores moravam. Era a cor da morte. O bairro sabia cuidar de seus incômodos. Bastava executá-los. Com bom veneno.
Os ratos, porém, não desapareceram. Seus cadáveres eram encontrados pelas ruas. Com seus tamanhos escandalosos. Seus olhos desfalecidos. E cheiro de decomposição. A evidência do crime. Lembrando às crianças e suas mães no caminho da creche, aos adolescentes na exuberância de seu descontrole hormonal, ao louco e aos que se exercitavam, o que eles não desejavam saber. Não existia perfeição.

domingo, 10 de outubro de 2010

O último dia de Tico Carvalho - parte final

Marina Carvalho (filha do músico): “Sim, almocei com meu pai naquele dia. Cheguei pouco depois de 1h da tarde no apartamento dele e esperei uma meia hora até ele chegar. Foi um almoço tranqüilo. Costumávamos marcar almoços juntos, nossa relação era muito boa. Eu estava tentando convencer ele a aumentar minha pensão, pois comecei uma nova graduação. Meu pai era cabeça dura, não aceitava que eu tivesse largado direito para fazer medicina e, agora, medicina para fazer artes cênicas. Uma personalidade difícil a do meu pai, mas linda, também. Era o jeito dele, depois de parecer irredutível, concordava comigo. Foi um bom almoço, rimos um pouco, mas tinha um tom saudosista ali que, na hora, eu não entendi...”
Ângela Maria (empregada doméstica): “Aí, a filha dele veio almoçar aqui. Não gosto dela, menina sonsa, meio esnobe. E discutiram, seu Tico não queria pagar a nova faculdade. A menina é mimada, inventa moda a toda hora, a mãe dá força e quem pagava era o seu Tico, né? No final, eles estavam bem. Era a filha única, seu Tico tinha muito luxo com ela, apesar de tudo.
Antônio Medeiros (empresário): “Conversei com o Tico por telefone naquela tarde. Estávamos preparando um cd novo e estruturando uma campanha de divulgação. Algo bem moderno, para esse público do twitter, da novidade. Tico Carvalho tem um potencial para público bem amplo e renovado, esse era nosso foco. Não adiantava ficar lançando discos para os ouvintes de sempre. Com tanta coisa ruim, né, por que não ajudar no aumento do nível das canções que essa moçada escuta? Pensei em versões do Tico para músicas jovens, pop, ficaria muito bom. Ele estava reticente, era tradicionalista. Eu tentava convencê-lo. Nossa conversa foi mais isso, essa discussão. Não resolvemos nada, por fim.”
Seu Rubinho (dono de quiosque): “De tarde o Tico voltou, no horário de sempre, 16:30, 17h. Aí, voltava com violão. Ficava naquela mesa, mais isolado, cantando baixinho e fazendo anotações. Acho que ele devia escrever pelo menos uma música por dia, às vezes mais, duas, três. A maioria, me falou, eram outros que gravavam, esses cantores que não sabem compor. As que ele gostava, iam para o cd dele. Ficava lá até anoitecer, às vezes ia embora bem tarde. Só que naquele dia...”
Ângela Maria: “Voltava já de noite da praia, tomava banho, comia uma coisa e ia para algum bar. Era a rotina dele. Tinha muitos amigos, sabe? Esses famosos, atores, escritores, outros músicos, gente importante, mesmo. Aí, sempre encontrava com os amigos. Nem marcavam nada, era sair pelas ruas e encontrar conhecidos. Todos gostavam dele. Naquela noite, ele não veio. Aí o Rubinho ligou.”
Seu Rubinho: “De repente, ele ficou azul, não conseguia respirar. Todo mundo assustou, a gente deixava o Tico em paz, trabalhando, né? Por isso ninguém viu de cara que ele estava mal, com alguma coisa entalada. Um pessoal que estava numa mesa mais perto diz que foi engasgo de “s”. Ele estava cantando, compondo, tudo baixinho. E o sotaque carioca, sabe, parece que ele carregou demais. Era o estilo dele, cantar com o “s” bem marcado, era bonito. Mas foi fatal. Só pode ser, ele engasgou nos “s”s.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

O último dia de Tico Carvalho

Ângela Maria (doméstica): “Já é pra falar? Ah... é, naquele dia eu cheguei 8:30 na casa do seu Tico, que é o horário que a gente combinava. Ele dormiu até umas 10h. Eu já tinha colocado a mesa do café. Ele gostava de cafezão, sabe, de novela mesmo. Suco, leite, bolos, pão, até queijo, ele fazia questão de tudo. Mas ele não acordou muito bem, acho que tava de ressaca, preferiu tomar Coca Cola. Ficou lá quieto, seu Tico não é de falar durante o café. Cantava baixinho e às vezes fazia algumas anotações. Comeu pouco e, quando levantou, brincou um pouco comigo. Sabe, eu trabalho com ele já tem algum tempo, a gente tinha alguma liberdade. Então, me pareceu que ele estava bem, que era só ressaca, mesmo. Perguntei o que ia querer para o almoço e ele pediu coisa simples, bife como saladas e purê. Seu Tico saiu já era umas 11 horas. Foi andar na praia. Ele sempre fazia isso”
Seu Rubinho (dono de quiosque): “O Tico vinha duas vezes por dia no meu quiosque. De manhã, dizia que estava buscando inspiração. Não trazia o violão, geralmente estava de bermuda, camisa meio desabotoada e com os cabelos soltos. Fazia uma caminhada e aqui era o ponto final. Parava, pedia uma caipirinha e ficava olhando para a praia. Mexia com algumas das meninas aqui do Leblon, jogava uma altinha com os moleques, ficava curtindo a manhã. Tinha um caderno que ele sempre trazia e anotava algumas coisas. Naquele dia, ele não estava muito disposto, nem cantar as moças ele cantou. Mas escreveu bastante, devia estar trabalhando com alguma coisa. Era um barato ver ele aqui, posso dizer que pelo menos metade dos discos dele foram compostos ali, ó, naquela mesa.”
Clara Martins (promoter): “Ai, nem gosto de lembrar! É, eu falei com ele naquele dia, mas olha, tô arrepiada de pensar nisso! Liguei para ele e marcamos de nos encontrar naquele quiosque daquele senhor, Rubens. Estávamos trabalhando num projeto, ai, será que eu falo? Ah, agora tanto faz, né? Ia ser um desfile, de moda bem carioca, praiana mesmo, sabe? E ele ia fazer a trilha. Ia ficar perfeito, né? As músicas dele, a moda, muito lindo. Encontrei com ele ali, meio dia e meia, mais ou menos. O dia estava ótimo! E o Ti tinha tantas idéias bacanas! Ai, que horrível isso tudo... Chamei ele para almoçar comigo, num hotel ali perto, mas ele disse que ainda precisava pensar em outras músicas. Se despediu com um “nos vemos em outra oportunidade”. Olha só! Poxa, Ti, vai ser em outro plano, mas vamos nos ver, sim.

Continua...

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Uma ressurreição para o MC Lobo Mau

MC Lobo Mau havia se surpreendido com o convite. Há anos no ostracismo de “ex semifamoso”, já perdera o nome artístico e atendia apenas pela alcunha que seus pais haviam escolhido, Claudinei. Ou Nei, mesmo. Os tempos em que despontou da periferia carioca para todo o território nacional com o hit “O Lobo Mau quer comer a Chapeuzinho” eram um pretérito bem perfeito.
Porém, estaria por vir uma ressurreição? Existia uma esperança. Nos últimos meses, alguns companheiros do movimento funk estavam sendo recuperados por promotores de bailes. Surgia uma onda retrô. Lobo Mau, nessa expectativa, teve uma grata surpresa quando um programa de tv o convidou para um número ao vivo. Transmissão para todo o Brasil, num canal que, se não era dos grandes, ao menos era um médio bem sucedido. Tudo para ser um trampolim para uma volta triunfal.
No camarim, alguma apreensão. Há três anos contados não se apresentava em público. Os versos e os passos da dança permaneciam bem vivos em sua memória, não os esqueceria jamais. O corpo, em contrapartida, era um problema. Claudinei engordara cerca de 15 quilos desde seu período áureo e a voz, que nunca fora grandiosa, estava ainda mais desgastada. A ansiedade ele controlava com generosos goles de uísque, costume construído quando seu hit o fazia faturar mais do que sonhara. Só que, na medida em que a fama foi se esvaindo, o uísque se tornava menos envelhecido, menos escocês. Só o consumo, porém, continuava a fartas doses.
Ia dar certo, ele sabia. E como esperava por isso! Desde que os shows escacearam, Claudinei virara empresário, administrava um bar e uma mercearia em sua comunidade. Mas odiava aquilo. Fazer contas era insuportável. Era feliz quando podia deixar R$50,00 para as garçonetes que o atendiam bem. Agora, pechinchava até no salário dos seus funcionários. Não era a vida que queria.
Então, a apresentadora anunciou e o MC Lobo Mau veio ao palco. Cantou e dançou seu grande sucesso com tudo o que tinha. O público o acompanhava. Quando a música acabasse, pediria para cantar uma música inédita, versos em que vinha trabalhando recentemente. Lobo Mau sonhava alto, já planejava um novo cd. Ressurgir.
O programa de tv, entretanto, tinha outros planos. Depois de executar “O Lobo Mau quer comer a Chapeuzinho”, a apresentadora chamou outra convidada ao palco. Um rosto bem conhecido por Claudinei. Não só o rosto. A grande atração do programa não era nenhum funk recuperado, mas a acusação de paternidade não reconhecida. Nada de batidão, o que se ouviria na próxima hora eram ataques morais. E, acuado, o Lobo Mau percebeu que seria preciso mais do que dentes grandes para recuperar seu papel nesse conto de fadas. Com mais uma boca para alimentar, começaria a trabalhar mais cedo.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Discografia recomendada: Rise to your knees – Meat Puppets


Houve um tempo em qu rock alternativo, era, literalmente, um rock alternativo. Explico: é que o termo designava bandas que faziam um som diferente do que era comercializado massivamente. Ou seja, desde quando algum desajustado se negou a fazer rock como os outros, podemos dizer que há rock alternativo. Ultimamente, entretanto, a “música alternativa” virou praticamente um gênero, tendências modernets que a internet difunde, toca no MTV Lab Now e, acima de tudo, na maior parte das vezes é chato.
Mas nos anos 1980 não era assim. Com o pop cada vez mais forte, o hard rock ganhando um contorno extremamente cafona (adjetivo que serve para toda a década) e a onda punk diluída, algumas bandas nos Estados Unidos faziam um som bastante desalinhado em relação ao que tocava na rádio. Eram elas Sonic Youth, Dinosaur Jr., Big Black, Pixies... uma legião. É também o caso do Meat Puppets, grupo de Phoenix, Arizona. Unindo folk ao punk, a banda liderada pelos irmãos Chris e Curt Kirkwood, lançou diversos bons álbuns naquela década, destacando-se o clássico Meat Puppets II.
Nos anos 1990 eles assinaram com uma grande gravadora e, após participarem do Unppluged in NY do Nirvana, alcançaram algum sucesso – moderado, a bem da verdade. É de 1995 o ótimo Too High to Die, talvez o registro do trio e “Backwater” um semi hit.
Depois de passar por algumas trocas na formação, alguns períodos inativos e com algumas prisões de Chris Kirkwood, os Meat Puppets voltaram nos anos 2000. Outra dessas voltas caça-níqueis que tanto se arma por aí? Eu duvido, pois o grupo não é um nome tão reconhecido para ganhar malas de dinheiro por uma reunião. Voltaram, certamente, porque não tinham nada de melhor para fazer de suas vidas. Até porque, o álbum que marca a volta, Rise to Your Knees é um belo registro, pouca gente faz algo melhor da vida, mesmo! Com belos arranjos, músicas mais intimistas e canções em construídas, esse cd poderia estar em listas dos melhores da década, se os críticos não estivessem tão preocupados que a última novidade do My Space. Porque a crítica musical reproduz a limitação da sociedade de só entender como digno de atenção o novo. Qualidade por qualidade, os “velhinhos” do Meat Puppets valem mais, bem mais, do que qualquer CSS e derivados. Qualidade confirmada em seu último álbum, Sewn Together, de 2009.
Aos interessados, fica a indicação de Rise to Your Knees e, abaixo, um link para o clipe de “On the Rise”.
http://www.youtube.com/watch?v=CnOD0oDAXVU

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Como não me tornei jogador de futebol

A história seria assim: anos nove anos, meus pais me colocaram numa escolinha de futebol. Apesar de magro, logo comecei a me destacar jogando na defesa, com desarmes cirúrgicos. Fui me aperfeiçoando e me tornei um zagueiro de classe. Era disputado na cidade em campeonatos de várzea e vencedor com o time do colégio. Aos dezesseis anos, participei de peneira no Guarani, de Campinas. Passei e, dois anos depois, me tornei profissional. Virei pagodeiro e mulherengo. Joguei por clubes grandes do Brasil e atuei por equipes medianas da França e da Itália. Encerrei minha carreira numa volta às origens, jogando sem salário pelo Atlético Tricordiano.
Obviamente, se assim tivesse sido, haveria um “não” sobrando no título. O leitor interessado na “verdade” pode guardar só a primeira frase ali de cima, a da escolinha de futebol. Nela, aprendi fundamentos como cabecear, tocar, correr com a bola, entre outros. Participei de amistosos pelo sul de Minas e até de um internacional, contra um time japonês que excursionava pelo Brasil. Recebi várias palestras do tipo “sou vivo, não uso drogas”, inclusive uma, no CT do Palmeiras, com o Profexô, conhecido pela Luciana Gimenez como “Luxesburger”. Aprendi que mesmo uma água de galão com gosto estranho podia ser melhor do que Coca-Cola quando se jogava no sol das 14 horas. Que os seus colegas te chamam de “baixinho” mesmo que sejam menores do que você. E que vestiários cheiram a urina.
Mas eu não seria um jogador de futebol. Sequer existia essa ilusão para o treinador, meus pais e mesmo para mim. Meu desafio era ao menos jogar dignamente – o que até chegou a ocorrer quando, anos depois, no futsal, eu era um fixo razoável com chances de ir para o time do colégio. Só que nunca levei o menor jeito com esportes, o que não surpreende ninguém que me conheça. E essa experiência de escolinha tinha tudo para ser traumática. Eu não jogava bem, era mais novo que os outros garotos, era bastante protegido (um desses “meninos de apartamento”, embora morasse em casa) e sofro de timidez crônica. Nesse contexto, eram consideráveis as chances de eu ser esmagado por tal ambiente. Não foi o que ocorreu, entretanto. Embora não fizesse “amigos do peito” eu tinha uma boa relação com a maioria dos colegas. Mesmo sem me integrar plenamente, consegui me adaptar ao “mundo do futebol infantil”.
E assim costuma ser. Apesar da minha “total falta de malemolência”, nunca fui daqueles meninos que lancham na sala de aula, com a companhia dos girinos da aula de ciências. Integração social nunca foi o meu forte, mas não me vejo levando algum episódio de exclusão para um divã. De algum modo, eu sobrevivo.
Não tenho uma história gloriosa como a do primeiro parágrafo. Virei um escritorzinho voluntário de horas vagas e um “dente-de-leite” na modalidade intelectual. Estou em contagem regressiva para adentrar numa crise homérica do tipo “o que eu faço agora? eu preciso de um emprego”. Quando ela se estabelecer, espero lembrar que, por mais feio que o diabo seja, até que nossa vida termine (tabelinha com o texto anterior!) a gente sobrevive. Se não der para fazê-lo bem, fica como meta alcançar a dignidade.

domingo, 1 de agosto de 2010

“A morte” ou “Ela vem, cheia de amor pra dar”

“Ó Morte, velho capitão, está na hora!levantemos âncora!
Este país nos entedia, ó Morte! Embarquemos!” (Baudelaire)

É uma manhã normal, você está deitado, num sono tempestuoso de ressaca da noite anterior e o domingo promete ser arrastado como outro qualquer. Só que do seu quarto dá para ouvir o choro de sua tia e sua mãe e você entende: desta vez, a morte resolveu visitar sua família. Ela pode até demorar, mas ela comparece. Sempre.
E por mais contraditório que seja, já que convivemos com a morte desde quando matamos nossos primeiros pets com nossa “ternura excessiva estilo Felícia”, jamais estaremos preparados para a morte. Mesmo que a realidade de que todos nossos entes queridos são passíveis de zarpar desse plano, a teoria e a prática, pra variar, não se encontram. Imaginar perder algumas pessoas, só imaginar, já deixa alguns com lágrimas nos olhos. Preparação para a nossa morte, então, nem se fala. Lidar com a efemeridade da nossa vida é bem complicado.
Mas a morte é uma realidade. E democrática. Atende a todos, às mais diversas classes sociais (embora alguns ricaços tentem tapeá-la deixando-se congelar na esperança de serem revividos em um futuro distante), tendências políticas, índoles... Se você é ruim, morre. Se for bom, morre também. Além disso, a morte também é democrática nas diversas formas em que aparece. Desde casos trágicos de acidentes, assassinatos ou doenças, até em episódios cômicos (dependendo do humor de quem observa), como no célebre caso do mergulhador que morreu em um incêndio, pois foi pego por um helicóptero que levava água do mar para apagar o fogo.
Talvez a grande dificuldade de nossa parte seja entender que vida e morte são entidades ligadas, praticamente uma coisa só. Só morremos porque, antes, vivemos. Se mudamos o ponto de vista, podemos dizer que a vida é só o caminho que leva até a morte. Recentemente, dois óbitos ocuparam espaço na mídia. Eliza Samúdio, supostamente assassinada a mando do goleiro Bruno, teve a interrupção de sua existência em decorrência do tipo de ganha-pão que escolheu: pensão milionária ao se envolver com gente rica, não necessariamente boa. Já o filho da Cissa Guimarães, atropelado andando de skate em um túnel, morreu ao praticar um esporte que, essencialmente, é urbano – ou seja, oriundo de um ambiente de colisões quase naturais. Não deixa de existir certa linearidade da vida com a morte.
Às mortes supracitadas, prefiro a do meu tio, aquela anunciada no princípio do texto. Morreu dormindo, do coração, depois de passar um dia na roça, voltar para casa, comer uma carne e tomar uma pinguinha. Uma morte serena. Porque, com alarde ou não, no fim das contas, toda existência é efêmera, mesmo.

sábado, 10 de julho de 2010

Passado requentado

Seria uma tarde agradável de domingo, com aquele sol soft de inverno. Mas ele estava detestando. Alguns amigos tiveram a idéia de reunir a turma do colégio. Dez anos da formatura, um churrasco comemorativo. Contemplando o passado. E lá estava ele, vendo no que ia dar.
Colegas que há tanto tempo ele afastara da memória, agora vinham perguntar-lhe o que estava fazendo da vida. Exibiam dentição amarela, alianças de casamento ou próximas disso. Bebês gordos e cônjuges insossos. Todos felizes e relatando suas glórias. Exibições.
Deprimentes. As garotas de outrora, que apertavam em calças jeans e blusinhas aqueles admiráveis objetos de desejo, pareciam irmãs do substantivo “flacidez”. Os amigos, antes parceiros cheios de vitalidade para revolucionar a rotina estudantil, agora se esparramavam em cadeiras, estufando suas barrigas só escondidas pela calvície. E ele sabia que não se importava mais com essas pessoas.
Mas a celebração continuava. Para integrar o ambiente, requentavam-se histórias dos dias em comum. O ambiente estava alegre. Sorrir e acenar, isso pode resumir uma existência. Por dentro, porém, cada um procurava medir suas infelicidades no espelho alheio. Patético assim. Porque as pessoas têm dificuldade de entender que o passado é morto a cada dia. Cutucá-lo só consegue ser sadismo.
Em todo caso, ele teria que sobreviver. E para isso, havia o álcool. Sempre o álcool.
Brindou à facilidade de se entorpecer.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

sem título 2

Cinco horas da tarde de uma terça-feira e eu aqui, sendo maquiado. Em uns vinte minutos a gente entra no ar, então é essa correria. Ajeitar iluminação, áudio e as imperfeições da minha pele. Fico pensando: porque mesmo eu fui fazer jornalismo? Nem é difícil lembrar. Não existiam muitas opções dignas para um adolescente que escrevia melhor do que os colegas e que conseguia desenvolver alguns argumentos sem inundá-los de gírias...
Mas eu não queria fazer tv. Minha idéia era virar um colunista de jornal, desferindo críticas sobre qualquer coisa. Lógico, não seria nada mal ter um cantinho lá no caderno de esportes, ou no suplemento de cultura de um grande periódico. Mesmo escrever sobre política eu toparia. Mas não. Durante a graduação, todo aquele alarde dos professores, a mídia impressa vai acabar, não tem jeito. E o jornalismo em si está em crise. Então, vá para a televisão, eles diziam. Paga-se melhor (ao William Bonner, eu descobri), você é um bom comunicador e não pode desperdiçar seu rostinho bonito em uma redação empoeirada. (Bom, acho que esse último argumento fui eu mesmo que formulei...) A questão é que cá estou eu.
Arrumo-me, levanto o microfone, já entrarei no ar. E ficarei por uns vinte segundos, se muito. Vai acabar Espanha 1 x 0 Portugal. Estou cobrindo a festa de uma comunidade portuguesa, que, com esse resultado, azedou. Quem inventou que é interessante mostrar esses imigrantes fajutos acompanhando jogos de Copa do Mundo? Não que eu queira salvar o mundo, mas isso é amenidade demais. E chato pra porra. Paciência, recebo para isso. E depois eu vou dar uma mãozada naqueles bolinhos de bacalhau e virar alguns copos de cerveja. Ah, se vou...

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Abrigos de inverno

É um belo espetáculo andar pelas ruas nas manhãs de inverno Mesmo que a baforada gélida secando nossa pele diga o contrário. Pois é bonito ver as pessoas e suas satisfações em andar vestidas para o frio. A relação que se tem com um agasalho vai além de objetividade. Encontra-se neles um abrigo, um refúgio, como um guerreiro em suas armas. É divertido, todos se curtindo com seus moletons.
Com seus casacos.
Jaquetas de tecido sintético.
Blusas de lã.
E os afetados apelando para cachecóis.
Uma beleza.
Quando criança eu também vibrava usando roupas de inverno com capuz. Era como se transformar em algum personagem de desenho. E minha jaqueta de Macgyver, como um colega bem observou, também me fazia esbanjar poder. Com tantos bolsos, eu poderia levar Deus sabe o quê nela.
É isso que o inverno é, uma experiência lúdica.
Hoje eu não visto nada disso. Uso bermudas e camiseta, porque eu vou pular na piscina daqui há dez minutos, então, tanto faz frio agora. Atravesso a Antônio Carlos e fico vendo toda essa gente em carros, esse abrigo que custa a partir de 20 mil e uns bons trocados. Com vidros fechados e ar quentinho, o símbolo maior de liberdade a ser adquirida pelo indivíduo. Sim, todos esbanjando a liberdade em ir de carro da casa para o trabalho e vice-versa. E nas férias, ir para Guarapari, ou para Ubatuba, se estiver no sul de Minas, ou para Santos, se for um paulistano... E ser livre para ter seu próprio cano de descarga. Belezuuuura!
Eu vou pular na piscina, e ela não permite abrigos. Uma tia ao lado levou o seu até a beira da água, o seu roupão, mas ele não vai acompanhá-la na hidroginástica. E nada vai me ajudar nos 600m de um vez só que a professora me pede. Nenhuma daquelas roupas de alto desempenho. Só meu fôlego, bom para um magrelo.
Meu abrigo vem depois. Japão x Camarões. Em seguida, ler um texto, hoje é dia de Koselleck. Para mais tarde escrever academicidades que talvez uns dois no universo vão ler. Urrul!
E meu blog? Não, ele não. Logo vou virar um Salinger, só que sem nenhum livro bem sucedido. Escreverei só para mim, não vou publicar nada. Porque o ego é o refúgio dos fortes. Yeah!

terça-feira, 1 de junho de 2010

Futebol, entre ranzinzas e a alma humana

Vem chegando uma nova Copa do Mundo de futebol e não dá para se ignorar essa data. Afinal, ela é prato cheio para os ranzinzas de plantão, destilando pragas contra o futebol e todo o teatro que se faz ao seu redor.
E não dá para tirar um pouco da razão desses indignados: os noticiários se esvaziam de outros temas; a combinação verde amarelo deixa de ser cafona; “a galera toda” se encontra para ver os jogos do selecionado brasileiro, o que provoca uma aglomeração grotesca de torcedores que só querem um motivo pra reafirmar sua vida burguesa, ou desejo disto...
Apesar disso tudo, inda acho perde quem se deixa dominar pelo mal humor e não se diverte com a Copa. Poxa, como o futebol pode ser divertido! E falo até de uma diversão intelectual, para aqueles que gostam de “observar a alma humana”. Albert Camus já dizia que muito daquilo que ele aprendeu sobre os homens foi nos seus tempos de futebolista. Realmente, o esporte é uma janela privilegiada. Ali, temos indivíduos doando-se por uma paixão (a nacional, por exemplo), colocando à prova sua capacidade de realizar seus objetivos, testando seus limites físicos... E escancarando o quão humanos eles são.
Me vem à mente a final da Copa de 2006. Zidane, líder da França, conhecido por jogar com classe e inteligência, agride um adversário que ofendeu a honra de sua irmã. Não uma agressão qualquer, uma violenta cabeçada no peito. Ou seja, até os gênios perdem a cabeça. (e os escritores medianos não perdem os trocadilhos infames...)
Nelson Rodrigues dizia que “em futebol, o pior cego é o que só vê a bola... Se o jogo fosse só bola, está certo. Mas há o ser humano por trás da bola, e digo mais: - a bola é um reles, um ínfimo, um ridículo detalhe. O que procuramos no futebol é o drama, é a tragédia, é o horror, é a compaixão.” Pena daqueles que preferem repetir o clichê de que “são apenas 22 homens correndo atrás da bola”. Eles perdem uma bela diversão.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Flashes na Escuridão - Capítulo 7

7
Laura finalizava seu cigarro quando, com um beijo breve, José Márcio partiu do quarto. No hotel, tudo estava quieto. Ou, ao menos, os sons não eram vigorosos o bastante para atravessar paredes. E, da porta, ela escutou seu companheiro praguejar diante do elevador e seguir para as escadas. A presença dele ia se dissipando lentamente, na medida em que mesmo o som da sua decida pelas escadas se perdia. Ela estava só, novamente.
Da cama, com o cigarro já acabado, ela tentou ligar a tv. Nada. Tentou acender o abajur. Nada. Então, levantou-se, seminua, e foi até a janela. Lá fora, tudo escuro. Até seus olhos se acostumarem com a falta de luz. E ela pôde perceber movimentações nos apartamentos do prédio em frente. Fantasmagóricas luzes de velas locomoviam-se enquanto outros semblantes faziam como ela e espiavam a rua. Em um dos apartamentos, Laura pode distinguir cachorros e pombas de sombra. Algumas crianças deviam estar matando o tempo com brincadeiras diante de alguma chama. Por mais que a escuridão pudesse, aparentemente, também apagar as pessoas, elas continuavam ali. Apavoradas, entediadas, mas ainda ali.
E Laura, sozinha. A solidão no escuro é pior, pois nem a distração das informações visuais está presente. Somos apenas nós e nossos sentimentos. Talvez, o encontro mais assustador possível. Nessa situação, Laura se deparava com sua angústia, escancarada, e não tinha para onde desviar o olhar. A vida profissional, durante os últimos anos o único foco de sua atenção, ia bem. Mas ser bem sucedida já não a preenchia. Tampouco o amante surtia o efeito de antes, quando os encontros às escuras davam injeções de ânimo que há muito ela ignorava.
Sentir essa angústia, porém, não era novidade para Laura. Era um problema diagnosticado e ela pretendia saná-lo. Por isso, ela voltou para a cama e acendeu o último cigarro do maço. Calma. Há dois meses ela não tomava a pílula anticoncepcional. Pelas suas contas, aquele era um dia fértil. Com alguma sorte, aquele seria seu último cigarro em nove meses. E, então, ela não estaria mais só.

domingo, 2 de maio de 2010

Discografia recomendada: "Jar of Flies' - Alice in Chains


O Alice in Chains foi a banda mais pesada dentre as que emergiram na cena musical de Seattle nos anos 1990. Todavia, dentre seus três álbuns de estúdio daquela década, foram lançados dois EPs semi acústicos. Jar of Flies é o segundo, saiu em 1994 e, apesar dos menos de trinta minutos de duração, atingiu boa vendagem e emplacou dois hits.
Mas por que recomendá-lo? Bom, primeiro porque o raro leitor que me der ouvidos vai gastar pouco tempo de sua vida se seguir meu conselho. Segundo, porque se o Alice in Chains é uma ótima banda “plugada”, ela é tão boa quanto soando acústica. E, por fim, porque o disco é bom, mesmo. Tem algo que eu valorizo, que é coesão dentre as músicas. Jar of Flies soa perfeito se ouvido de uma vez.
O álbum começa com “Rotten Apple”, não considerada clássica na discografia da banda, porém, com um efeito atmosférico poderoso. Segue-se “Nutshell”, mórbida e com uma bela melodia. Na seqüência, os dois hits, “I Stay Away” e “No Excuses”. Destaco o arranjo de cordas da primeira (abaixo está o link para seu clipe) e o ritmo da segunda. Em seguida, “Whale & Wasp” e “Don’t Follow”, duas composições de Jerry Cantrell, mais singelas ante a carga emocional que tem a maior parte das músicas do grupo. Por fim, “Swing on This”, certamente fruto de uma jam, sem grandes pretensões.
Jar of Flies é um belo disco para se escutar naqueles dias em que não se está com um sorriso que vai de uma orelha até a outra, mas que você também não chegou ao ponto de refletir sobre os percalços da existência (para estes, procure o disco do ano seguinte, Alice in Chains). Uma boa trilha sonora para quando se está leve o suficiente para sentir brisas discretas de domingos de manhã.

http://www.youtube.com/watch?v=kHmYFOPuFK4

domingo, 18 de abril de 2010

Esperas

13 de novembro de 1993.

Oscar estava impaciente. Talvez fosse a situação, mas também podia ser a sala. Muito clara, paredes limpas, pessoas com uniformes brancos. Uma tv ligada sintonizava o Jornal Nacional, com Cid Moreira e Sérgio Chapelin, e naquele dia, nada tinha acontecido de novo.
E tinha as pessoas ao redor. Todos tensas, esperando notícias. O que mais tem para se fazer em um hospital? Na sua frente, um homem robusto, talvez um palmo maior que ele, dentes amarelos e bocejos escandalosos. Ao lado, uma senhora muito perfumada, folheando ferozmente uma revista de amenidades. Era pior ficar ali. Oscar, então, foi caminhar pelo corredor da recepção.
O hábito de fumar fazia falta nesses momentos. Ele nunca tivera vontade de consumir cigarros, achava a fumaça fedida e a dependência, deprimente. Mas quando ele estava esperando algo, nossa, como fazia falta um cigarro! Abstrair-se do mundo exterior e buscar refúgio nas tragadas. Não ser visto como alguém com expressão de “caramba, chega logo!”, mas sim como alguém fumando. Só isso.
Agora, com um cigarro, ele estaria tranqüilo, fitando o horizonte e pensando que, se viesse um menino, se chamaria Henrique; se fosse menina, aí a mãe é quem daria o nome. Que jogaria bola com o menino e o colocaria numa escolhinha de futebol, quando fosse o tempo. Que tomaria chá com a menina e suas bonecas. Que compraria uma bicicleta com garupa para passear com a criança por ruas tranqüilas e que a levaria no parquinho todas as semanas... Mas não tinha cigarro, então ele foi comprar um café.
No caminho, aparece a enfermeira. Era um menino.

11 de abril de 2010.

Duas horas da manhã e Oscar em seu carro, esperando. Um cigarro faria isso ser menos cansativo. Seus cabelos haviam diminuído, as lentes de seus óculos, engrossado, a barriga, arredondado, mas ele continuava aflito com esperas. Ao menos tinha o som, ele escutava o clássico Led Zeppelin IV. Batia no volante no ritmo do John Bonhan. E nada do Henrique.
A rua já estava agitada, muitos carros saindo. Ele estava perto do Mineirão, onde acabara de acontecer o Axé Brasil 2010. Oscar era só mais um dos pais esperando os filhos saírem do evento. Então, ele viu o Henrique. Bermuda com estampa colorida, abadá, tênis de marca. O penteado da moda, cuidadosamente arrumado com gel. Chegaria no carro e, disparando uma porção de gírias, contaria que o show tinha sido ótimo, que havia inúmeras meninas bonitas e que ele beijou muitas delas. E falaria para o pai tirar o Led Zeppelin e colocar numa rádio qualquer.
Agora, Oscar sabia o que tanto o incomodava nas esperas: nunca se sabe se elas realmente vão valer a pena.
Talvez, seria melhor se tivesse nascido uma menina...

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Ouvindo o dia

São 10:10 e eu resolvo ouvir o dia. Nenhum outro sentido, vou experimentar o mundo através audição. A primeira sensação é a de que o silêncio é uma falácia. Impera um ruído constante, como se a Terra fosse uma grande casa de máquinas. Motores de automóveis por todos os lados, em muitos tons. Freadas agudas de carros, buzinasquase uma barriga fazendo digestão.
Então, vêm os sons das construções. Coisas sendo marteladas, furadas, partidas. O metal afiado gira e racha ao meio a madeira. A cidade está em transformação e constante são seus sons.
Dos céus, outro motor surge: algum helicóptero risca morosamente o céu, para se certificar que tudo aqui em baixo segue na mesma.
Barulheira.
Pra variar, algo de bucólico. Parcos pios de pássaros, muitos enjaulados, salpicam algo não mecânico nisso. E ouço o bater das asas de alguma pomba folgada perto de minha janela. Até parece que estou no campo...
Pfffff.
Novamente, ruídos metálicos. Algum vizinho bate panelas, gavetas com talheres, liga a torneira. É a magia de fazer o almoço. Uma tv ligada, possivelmente em algum programa em que se debata como cuidar dos filhos problemáticos ou a vida das celebridades do último Big Brother.
Alguém esta chutando uma garrafa na rua.
Isso tudo acontecendo junto, e se repetindo, repetindo de novo, mais alto...
Ok. Mundo experimentado. Mas agora, acho que vou escutar alguma música no fone de ouvido. Barulho por barulho, é mais fácil estudar com um que seja tonal.

sábado, 20 de março de 2010

sem título

No espelho, ele deu uma última conferida no visual. Impecável, como sempre. Sua acessoria era rigorosa, escolhia com cautela as roupas, para que estivesse sempre o mais adequado. Lá fora, uma voz feminina, das tantas que o cercavam, chamou, dizendo que estava na hora. Ele não respondeu. O evento só aconteceria se ele saísse dali. Só seria “a hora” quando abrisse a porta. E ele não faria isso agora. Abriu a gaveta da cômoda e pegou o pó. Sobre a mesa, com superfície lisa e convenientemente polida, despejou-o.
Antigamente, nesse momento, seu coração estaria palpitante, como o de um garoto ansioso por uma grande noite. Ele ajeitaria a carreira com mãos trêmulas, nervoso pelo regozijo que encontraria. Porém, a afobação juvenil estava extinta. Estava tenso, sim, mas porque queria fazer aquilo logo. O que outrora constituía um ritual, agora era executado com o automatismo de quem monta seu prato de comida. Com gestos de um cirurgião afobado, ele organizou seu “caminho da felicidade”.
Organizada a fileira, nela ele se debruçou, aspirando com sede de algo que ele nem sabia o que era. Já tinha tanto dinheiro que nem se beneficiava com o permanente aumento de sua fortuna. Possuía status, era adorado por milhares. Nesse momento, uma multidão o aguardava e explodiria em louvores quando ele surgisse. Todavia, nada disso o entusiasmava. Nem mesmo a coca, que a cada cheirada era consumida em maior quantidade, o animava. Embora servisse.
Nesse tempo, outras vozes já haviam chamado, todas pedindo que se apressasse. Ele as ignorava. Olhou para o relógio, o atraso era mesmo significativo. Que esperassem! Era a terceira inauguração de obra só naquela semana. Dali há alguns minutos estaria diante das câmeras, cortando uma fita na frente de uma nova escola, hospital, ponte, tanto faz. Sorrindo.
Mas não agora. Antes, precisava deixar-se escorregar na cadeira. Ela estava tão confortável...

quarta-feira, 3 de março de 2010

Um pulo

Todos os seus problemas
Laçados
Pela corda sarnenta.

Na firmeza da árvore
Uma segurança
Que não se encontra em todo o resto.

A garganta amarga
Por arrotos
De rancores e álcool
Agora está apertada
Num nó que lhe é externo.

As esperanças por um futuro melhor?
Não perduraram ao fim de ano da Globo.

Os sinos não se dobram
Mas as maritacas fazem alvoroço.

Um pulo
Acabou.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Coming Up Roses

Janeiro jaz em paz e fevereiro arranca para sua segunda metade. Esses meses costumavam ter toda uma mística quando eu estava na escola ou no colégio. Ansiava por eles como por um oásis que desse sentido à longa jornada pelo deserto. Sentido, eterna busca. Porque, por mais semi nerd que eu fosse, estudar nunca foi algo libertário. Sim, tem leituras que nos libertam de algo que sequer sabemos o que é, mas elas não surgem na forma de estudo. E este nunca foi algo que habitasse meus sonhos.
As férias significavam libertação. Estudar, uma obrigação da qual eu, assim como todos da minha idade, queria me livrar. Cada ano passado era um ano a menos a ser estudado. Até que chegaria um dia em que não haveria nenhum dark sarcasm in the classroom a nos aterrorizar.
Entretanto, minhas férias nunca foram excepcionais. A palavra janeiro me traz lembranças de minguadas viagens, a ressaca dos presentes do Natal, o encontro de algum conforto do calor sul mineiro na imbatível piscina de mil litros, a ausência de futebol na tv... As férias não eram de todo mal, mas não havia aquela diversão esperada.
E, a bem da verdade, a espera pela festa é mesmo a sua melhor parte. Porque a celebração, em si, sempre deixa a desejar. Passaram-se uma porção de anos e não me libertei dos estudos, pelo contrário, o projeto por longa data em minha vida. Sem me sentir oprimido.
Minhas férias de 2010 certamente entediariam o menino que se virava em janeiro com partidas da Copa São Paulo de Futebol Jr. na falta de opção. Mas elas me satisfizeram. Assisti algumas boas séries televisivas, fiquei por semanas encostado sem poder andar, porém me livrei de uma mazela hereditária, chacoalhei a cabeça com o Metallica e, talvez o melhor, vi que dá para viver em família em um apartamento da MRV. Pode não ser o mais exuberante dos oásis. Mas me contento com sua água fresca.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Flashes na Escuridão - Capítulo 5

5
Tuco estava de fora na sinuca. Resolveu, então, sair do bar, enquanto Alemão e Nenê enfrentavam Chicão e Cabeça. O bom da sinuca era jogar, não ficar assistindo. Lá fora, Tuco levou seu copo de cerveja e ficou observando a noite. Uma ex namorada havia dito que a favela era bonita à noite, com suas luzes desordenadas simulando um céu estrelado. “Céu estrelado! Porra nenhuma! Que céu tinha cheiro de cachorro vira-lata, poeira e cimento?” Agora, tinha certeza de como era descabido aquele comentário. Também, ele vinha da Nina. Moça bonita, bem nascida, estudante de ciências sociais. Queria estudar a sociabilidade dos excluídos, participava de projetos sociais e, então, chegou no ponto de namorar um favelado. Foi o Tuco. Achava tudo lá bonito, o samba e o funk, as pipas, as conversas pelas ladeiras, as gírias... Ela já estava planejando ir morar no morro, tinha até pesquisado aluguel, mas o namoro acabou. Para a felicidade dos seus pais, que abominavam as decisões impulsivas da filha.
Tuco gostava mesmo era de ver o bairro lá de baixo. Aqueles prédios imensos, ordenadinhos, com janelas tão grandes e sacadas com plantas. As coberturas, movimentadas nos churrascos de sábado, as quadras e piscinas com aquelas crianças limpinhas, quando não estavam com seus uniformes brancos e passados para ir à aula. Aquilo é que o encantava, ver aquelas fileiras de luzes, empilhadas e alinhadas.
Enquanto pensava, esvaziando seu copo, aquilo que comparava desapareceu. Nem na favela, nem no bairro nobre, as únicas luzes que sobraram eram as do céu. No bar, seus amigos praguejavam, já que o jogo estava interrompido. Tuco entrou e ajudou o Seu Gilson a procurava velas. Logo o bar estava iluminado novamente, naquele tom amarelo desbotado das chamas, e a sinuca pode continuar. Havia apostas, o jogo não podia parar.
Não sem algum bate-boca e reclamações, a partida terminou uns dez minutos depois. Os amigos não iam jogar outra vez. O apagão já durava algum tempo, então, em alguns cochichos, eles combinaram o que iriam fazer. Havia uma cidade lá, desprevenida, esperando que eles atacassem. Na manhã seguinte, uma nota no jornal anunciaria o arrastão, enquanto eles estariam contabilizando o saldo do saque. Era assim que as coisas eram.
Porém, naquela ação, algo se inverteu. Tuco, que admirava, lá de cima, aquele mundo ordenado dos grandes prédios, agora o tinha a seus pés. Por um breve momento, ele se fazia senhor naquela parte da cidade em que não era desejado. Agora, ele tinha poder por lá. No escuro.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Flashes na Escuridão - Capítulo 4

4


A ausência e a escuridão


Por Fabrício Alves


A trajetória pela rua,
A espessura dos degraus na escada,
A disposição dos móveis,
A ordem das atividades que vou fazer:
Tudo decorado.

Mas um zumbido
Qual um assopro divino
Proclama as sombras
E eu tateio pelo caminho
Tropeço pelas escadas
Trombo em móveis
Desnorteado.
Um brinde ao inusitado!

Todavia
Mesmo sufocado em trevas
Contemplo a face do vazio
Que me mata.
Pois nenhum blecaute pode apagar
A presença de tua ausência.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Flashes na Escuridão - Capítulo 3

3
Casa. Alice queria estar em casa e o relógio marcava 22:12. Tentava, apesar da miopia, adivinhar o número dos ônibus e dentre eles ver o seu. Mas este não a levaria para casa. Santa Bárbara d’Oeste não poderia ser alcançada por um ônibus circular paulistano. Com ele, Alice só chegaria até a república em que morava. Não era a casa. Porém, tinha sua cama.
Estava cansada. Saía do trabalho, em uma loja de roupas, direto para a faculdade. Curso de jornalismo, não exigia muito, o importante para a instituição era que pagasse as mensalidades. O que já era um desafio para Alice.
22:13 e as luzes se apagaram. Ver os números dos ônibus ficou ainda mais difícil. A rua era alternada por trevas e a luminosidade agressiva dos faróis de automóveis. Porém, quando os carros passavam, tudo retornava a escuridão. O ponto de ônibus, há um minuto atrás com pessoas invisíveis para a Alice, preocupada com os números dos coletivos, agora que envolto em escuridão, estava repleto de personagens bem presentes. E assustadores. Vozes sinistras, mais perto de seus ouvidos do que ela gostaria. Movimentos bruscos sentidos pelo deslocamento de ar. Todos perigosamente protegidos pela identidade escondida e ameaçadoramente propensos a atacá-la. Apertou a bolsa junto ao corpo. Puxou para baixo a saia, tentando proteger as pernas expostas.
Risadas maliciosas. Só podiam ser endereçadas a ela. Não tinha muito dinheiro, nunca tinha. Mas o celular ela não podia perder. Nem as apostilas da faculdade. O corpo, então, estava tão desprotegido! Alice tremia, a rua estava ficando tensa, vozes desordenadas pairavam por todos os lados. Outros ônibus chegavam, mas não eram o seu. E nada de as luzes voltarem.
Eram 22:21 quando as primeiras lágrimas de Alice começaram a escorrer. Então, enfim, seu ônibus chegou. Mesmo que não a levasse para casa, agora, ela só queria distância das vozes ao seu redor. Ele ia servir.