terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Discografia [e Natal] Comentada [os]: Scott Weiland – “Most Wonderful Time of the Year” (2011)

            Natal, a época mais maravilhosa do ano? Há controvérsias. Afinal, não são poucos os que mobilizam seus discursos de cunho marxista para questionar os aspectos maléficos do consumismo, tão associado ao rito natalino. Ou os cristãos que se revoltam com a perversão do sentido original da data. Pois sempre haverá alguém querendo jogar água no nosso vinho Canção, prezado leitor. Mas se a pessoa quiser se embriagar na cafonice dessa época do ano, qual o problema?
As luzes de Natal, em minha opinião, representam a necessidade que temos de sonhar. As cidades, com suas fachadas soturnas, de trevas que intimidam, transformam-se numa Las Vegas de motivos natalinos. O décimo-terceiro salário traz a magia. Não importa quão miserável você seja, em dezembro a situação parece ser de opulência. É sonho, porque afinal, em algum momento a gente acorda. No caso, com data marcada: janeiro e seus impostos.
Maravilhosa ou não, essa época tem os seus “milagres”. Tipo alguém realmente acreditar que juntar a família numa mesa possa ser uma boa idéia. Ou Scott Weiland abrir seu sorriso mais brilhante, vestir-se de bom moço e cantar canções natalinas. Pois é, em 2011, o vocalista do Stone Temple Pilots lançou o cd Most Wonderful Time of the Year, com canções natalinas. Pois o Natal nos EUA tem toda uma tradição musical, corais cantam de casa em casa um repertório típico. O que não passa impune à indústria fonográfica, repleta de produtos voltados para essa época, o que às vezes proporciona encontros inusitados.
Scott Weiland tem um histórico bastante problemático, com abuso de drogas lícitas e ilícitas, e conseqüentes prisões. Depois dos dois primeiros álbuns, nunca mais o STP foi regular em sua atividade. O que torna esse cd algo muito curioso. É a magia da época: por que Scott não pode regenerar, nem que seja só nesse período?
De um modo geral, esse é o grande atrativo de Most Wonderful Time of the Year. Para quem gosta de músicas do Natal, é claro, também é um bom motivo para ouvi-lo. Comportado, Weiland não perverte a maior parte das músicas. Podemos considerar exceções a roupagem pop kitsch de “Silent Night” (ou “Noite Feliz”) e “Happy Christmas and Many More”, e reggae em “O Holy Night”. Também é interessante ouvir o vocalista em registros mais graves, como no single “Winter Wonderland”, algo que ele abandonou ao longo dos anos no STP e Velvet Revolver.
Mas, justiça seja feita, há tempos Scott Weiland não vive só de drogas e rock’n roll. Por exemplo, a música “A song for sleeping”, do quinto álbum do STP, é uma das mais belas feitas de pai para filho. Sua carreira solo é bem variada e não soa como os trabalhos de suas bandas.
Mas, enfim, Most Wonderful Time of the Year é um cd natalino, limitado já em seu propósito. Se o leitor precisar de trilha sonora para o Natal de 2012, Scott Weiland é preferível à figuras como Simone, ou Michael Bublé.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Discografia Comentada: Incubus – “If not now, when?” (2011)

            Uma pancada nos ouvidos. Só que não. Assim eu definiria o mais recente álbum do Incubus, If not now, when?. Porque ele me remete a uma regra que formulei, há um bocado de tempo, sobre a evolução das bandas: chegando a idade, os roqueiros “tiram o pé” e ficam comportados. Claro, meu grande parâmetro era o Metallica, que “playbolizou” depois do Black Album. Rebeldia parece não combinar com cabelos brancos.
            Claro, nem sempre é por aí. Mas com o Incubus o caminho tem sido este. A banda começou fazendo um rock mais funkeado, aquela mistura que foi tendência no fim dos anos 1990. Na época, o vocalista galã Brandon Boyd usava dreads e um bigode, digamos, bem maroto. Se você não lembra, confere o clipe de “A Certain Shade of Green”. A partir do terceiro álbum de estúdio, Make Yourself (1999), a banda passou a dosar rock de arena com baladas bem dignas. Até que, no penúltimo álbum, Light Grenades (2006), a guitarra ficou menos distorcida e as melodias, mais adocicadas.
            Só que em If not now, when? o açúcar foi generoso. O álbum é composto praticamente só por baladas. São onze faixas. Então, o fã mais antigo pode estranhar. Não dá para procurar os bons momentos do passado ali, como em “Nice to know you” ou “Megalomaniac”.
            Mas façamos algumas ponderações. É verdade, é um álbum bem leve. Porém, não merece ser taxado de pop. Só coisas tipo o Nickelback merecem esse rótulo. Os músicos do Incubus são bastante competentes, as canções estão bem construídas instrumentalmente e a produção, bastante limpa. Algumas músicas poderiam se encaixar com facilidade em uma trilha sonora de seriado adolescente, tipo o single “Promises, promises”. Mesmo assim, há boas exceções, como a experimental “In the company of wolves” e a agitada “Switchblade”. E o outro single, “Adolescents”, vale ser conferido.
            Esquecidas as referências anteriores, dá para se tirar um bom proveito de If not now, when?. Afinal, há espaço em nossos mp3 e HDs externos para um álbum que soa mais adocicado. Por que não? Nessa proposta, o novo trabalho do Incubus é uma excelente opção.
Mas eu não indicaria para os diabéticos.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Discografia Comentada: “Wasting Light” (2011) - Foo Fighters

Dave Grohl estava fadado a viver de passado. Baterista de uma das bandas mais relevantes das últimas duas décadas, o Nirvana, ele seria um eterno “ex-integrante”. Foi assim por um bom tempo. O Foo Fighters, a banda que criou em 1995, um ano após a morte de Kurt Cobain, ficou por anos rotulado como do segundo escalão. Tinha clipes engraçadinhos, trilhas sonoras de filmes e, apesar dos fãs fervorosos (eles sempre aparecem), era sempre anunciada como a banda do ex-Nirvana Dave Grohl.

Apesar de não ser bem o que se entende por “banda pop”, é preciso reconhecer que a discografia do Foo Fighters é repleta de boas músicas, com refrões assobiáveis e ritmo empolgante. É pop, mas com dignidade. O primeiro deles (1995), auto intitulado, composto praticamente todo por Dave Grohl, é uma boa amostra do que houve de melhor houve na música nos anos 1990. Depois, apesar de algumas derrapadas (me parece que Dave Grohl tem tendência em errar a mão nas baladas), o Foo Fighters construiu uma boa trajetória.

Wasting Light, lançado em 2011, é a reivindicação de identidade própria. Em suas onze faixas, o álbum soa como uma banda que nos seis trabalhos anteriores construiu suas características e, no sétimo, se afirma nelas. Não há nada ali que a banda já não tenha feito antes. Porém, isso não significa mesmice. Repetir a mesma fórmula pode indicar a perseguição de um amadurecimento.

As duas primeiras faixas, “Bridge Burning” e “Rope” são uma introdução bastante acelerada no disco. A segunda, primeiro single, tem um refrão bem típico de Foo Fighters. Depois de uma diminuída no ritmo com “Dear Rosemary”, a pegada volta com “White Limo”. É interessante que Dave Grohl, escolhido por Kurt Cobain para assumir as baquetas do Nirvana por ter bastante energia (não pela técnica), encontrou em Taylor Hawkins uma espécie de alter ego. Em “Alandria” e “These Days” o ritmo é abaixado novamente, mas nada que fique arrastado. Nesse sentido, as oscilações no disco são bastante discretas.

Mais adiante, eu destacaria “A Matter of Time”, canção bem poderosa, mas que não deve ter muito destaque na prosperidade. E, simbolicamente, vale a observar que em Wasting Light Dave Grohl parece encarar o passado o passado de sua ex-banda sem problema. Krist Novoselic participa da faixa de “I Should Have Known” e o produtor do cd é Butch Vig, o mesmo de Nevermind. Dave Grohl não tem mais medo de fantasmas.

Aliás, é válido voltar ao Nevermind. Apesar de contribuir pouco nas suas composições, o álbum icônico parece ter grande importância na trajetória seguinte de Grohl. A mistura de rock alternativo com uma roupagem mais pop, legado do cd, é a grande característica do FF. Se Kurt Cobain evitaria essa direção em In Utero, Dave Grohl se especializou na fórmula. E, se Wasting Light é mais do mesmo, vale lembrar a vovó dizia: time que está ganhando não deveria se mexer. Para uma banda de ex-integrante, o FF tem dado uma bela contribuição ao rock atual.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Discografia Comentada – Lou Reed & Metallica – “Lulu” (2011)

            Um dos anúncios que mais abalaram o mundo da música em 2011 foi a parceria entre Metallica e Lou Reed. Inusitado encontro de duas referências em estilos do rock que, oficialmente, trilham caminhos diferentes. São gerações distintas de músicos. Os veteranos se encontraram em uma apresentação no Rock in Roll Hall of Fame, em 2009, e, sabe lá porque cargas d’água, resolveram desenvolver o trabalho em conjunto.
            Enquanto notícia, o álbum foi um evento inusitado. Mas, lançado Lulu, resta saber como classificar sua relevância musical. Pois um encontro dessa magnitude é, antes de tudo, uma associação de marcas. Lou Reed® & Metallica©. É impossível pensar as duas partes sem as referências prévias que temos delas. É o mal dos “projetos paralelos”. Raramente tornam-se a banda predileta de alguém, ou ultrapassam os fãs dos “projetos oficiais”.
            Lulu está sendo massacrado por críticos e fãs, principalmente os do Metallica. Quanto mais altas as expectativas, maior a decepção. Porém, antes de crucificar os “tios”, é preciso analisar o caso. Quase todas as músicas foram compostas inicialmente por Lou Reed, ao menos a linha vocal. Lulu é muito, muito mesmo, mais um trabalho dele do que da trupe de James Hetfield. Deve ser entendido assim.
            E pensemos com parcimônia: Lou Reed é um literato/ músico/ artista. Seus álbuns vão de ícones essenciais à viagens mal compreendidas, segundo os próprios fãs. Sobre Lulu, certamente ele pensou: “ficaria legal se eu colocasse um fundo com guitarras pesadas nessas canções!” Então, ele chamou uns amigos para fazerem isso. No círculo de amizade dele estavam os “meninos” do Metallica. Coube ao nome mais forte do heavy metal o papel de coadjuvante nesse álbum.
            Musicalmente, Lulu não consegue dar ao ouvinte algo que extravase a curiosidade. Não é um álbum apaixonante. Lou Reed recita o tempo todo. As letras e o tom de voz de narrador de contos do Allan Poe é o que ele oferece – quem não gosta disso, pode passar longe desse lançamento. Já o Metallica está, na grande parte do disco em jams preguiçosas, que não inovam em nada. Lars Ulrich, em vários momentos, parece estar prestes a emendar “Enter Sandman”. Coisas do costume.
            Os melhores momentos são aqueles em que o Metallica entra na onda do Lou Reed e deixa de ficar apenas “martelando” ao fundo. Eu destaco “Cheat on Me” e “Frustration”, com uma introdução mais à altura da banda. O primeiro single, “The View”, é uma boa amostra da dinâmica de Lulu. A música ganhou clipe de Darren Aronofsky que pode ser conferido aqui.
Lulu tem mais chances de agradar aos fãs de Lou Reed. Faz mais sentido dentro da discografia dele. Mas, ao que tudo indica, o álbum ficará no limbo da repulsa por alguns bons anos. Depois disso, talvez alguma revisão, com outros parâmetros, leve-o a uma apreciação mais positiva. Isso acontece. Mas, por agora, Lulu soa como um trabalho infinitamente menor ao evento que ele é – uma parceria histórica.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Da chuva


Lá fora, a água caía indiferente ao tédio que causava. Pela janela, ele gostava de ver como a chuva deixava a paisagem turva. E de adivinhar caminho das gotas que deslizavam pelo vidro.

Quando mais jovem, costumava correr nos dias chuvosos. Então, ele aprendeu a ter medo de resfriado.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Discografia Comentada: "The Great Escape Artist" (2011) - Jane's Addiction

Nas próximas semanas, por tempo indeterminado, nas terças-feiras teremos reviews musicais nesse espaço. Essa "seção" também muda de nome, agora é "Discografia Comentada", não mais "Recomendada". As atualizações literárias continuarão. Sejamos perseverantes.

            Nas últimas semanas muito se tem falado em Perry Farrell, embora não pelo motivo mais adequado. O fundador/ organizador do Lollapalooza esteve na mídia brasileira por conta da versão tupiniquim de seu festival, no ano que vem, e do debate com Lobão (aquele que sobrevive de polêmicas há duas décadas). Melhor seriam que falassem de Farrell por causa do lançamento de The Great Escape Artist, lançado há poucas semanas.
            O Jane’s Addiction é referência básica para quem tem algum interesse na história do rock. Essa banda californiana é parte da retomada do estilo que ocorreu na virada dos anos 1980 para a década seguinte. Embora alguns desavisados digam que o Nirvana fez a revolução sozinho, é preciso lembrar: as grandes gravadoras, que nunca foram bobas, já investiam em bandas alternativas. Antes de Nevermind (1991), Soundgarden, Red Hot Chilli Peppers, Sonic Youth e Jane’s Addiction, entre outras, já tinham contratos.
            Em seus dois primeiros álbuns, o Jane’s Addiction soava explosivo. Músicas que iam da aceleração de um rock ancestral, à outras, com grandes viagens atmosféricas. De Nothing’s Shocking (1988), você pode conferir “Mountain Song” aqui. Já Ritual de lo Habitual (1990) continha o hit “Been Caught Steeling” e a não menos boa “Three Days”. “Aquilo sim era rock, bebê”, disse Christiane Torlone para o blog. Mentira. A reportagem não conseguiu entrar em contato com a atriz.
            As performances do grupo estavam à altura da música. Perry Farrell, um exótico pansexual, é bastante desinibido no palco, assim como o guitarrista Dave Navarro, poser como só ele. Tanta personalidade, claro, deu problema: depois dessa primeira fase promissora, o grupo se desintegrou, os músicos seguiram suas carreiras e, de vez em quando, se reúnem.
            Em The Great Escape Artist, a banda não soa com a mesma pegada. Também, pudera, os músicos já não são os jovens de antes. Não que se tenha que soar velho após os quarenta anos, mas também não precisa fingir-se de garotão – foi mal, Dinho Ouro Preto. A sonoridade também ficou mais limpa, coisa da tecnologia, que não para.
Mesmo assim, o Jane’s Addiction de outrora ainda pode ser reconhecido nos riffs de guitarra e nas boas melodias. Soa moderno, é verdade, mas com a identidade original. Indicado para uma época em que o rock, novamente, está ficando andrógeno. E quando os roqueiros estão visualmente parecidos com personagens de animes, sinal de alerta!
The Great Escape Artist é um cd que a gente escuta sem querer pular as faixas – o que indica uma banda honesta. Desconfie smpre daquelas que apresentam pérolas envoltas por material de má qualidade.
Se ficou curioso, dê uma conferida na música de trabalho, “Irresistible Force” aqui.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Discografia Recomendada: "Moon Pix" (1998) – Cat Power


Minha geração teve na infância a influência do He-Man. Além de uma série de peculiaridades que poderiam ser destacadas nesse desenho animado, lembro aqui de um padrão: os episódios terminavam sempre com uma situação engraçada, seguida de gargalhadas dos personagens principais.
Esse happy ending é um exemplo da formatação aplicada às aspirações de tantos. Se não estamos felizes, sinal de alerta, algo está errado. Nada vale a pena se não houver risada no fim. O que, no mínimo, é um tanto ingrato. Toda roda gigante tem pontos altos e pontos baixos.
Moon Pix, quarto álbum de Chan Marshall, também conhecida como Cat Power, não é sobre euforia. Pelo contrário, suas 11 faixas exalam introspecção. Sua sonoridade é crua, com a voz da cantora/ compositora acompanhada por poucos instrumentos, sempre discretos. Algo que soa bastante diferente de seu trabalho anterior, o mais experimental What Would the Community Think, de 1996.
A melodia vocal é quem guia os ouvintes em uma experiência sensorial de desaceleração. A bateria, quando aparece, apenas marca tempos arrastados, enquanto cordas de violão são dedilhadas cuidadosamente. Em alguns momentos, a voz de Cat Power é duplicada ou, em “He Turns Down”, é rivalizada por uma flauta. Mas prevalece, sempre. Chan Marshall é daquelas mulheres que, ao cantar, tornam-se musas instantaneamente. A aparência é secundária.
Desmembrar Moon Pix é quase um sacrilégio. As canções vão se ligando com grande coesão, formando uma obra única, de efeito arrebatador. Mesmo assim, o vídeo de “Cross Bones Style” percorreu “Lados B” de MTVs pelo mundo. E a versão de “Moonshiner”, famosa pela regravação de Bob Dylan (e fazer reinterpretações tornou-se posteriormente uma especialidade da moça) chamou a atenção dos folks de plantão. Em 1998, aos 26 anos, Cat Power fazia sua obra-prima.
A atmosfera do álbum é melancólica. Uma melancolia doce, sincera. Um “anti-fim de episódio do He-Man”. Pois não dá para terminar sempre gargalhando. É preciso nos observar para além do bem-estar. A tristeza pode não ser a meta de ninguém, mas deve-se reconhecer: é nela que somos verdadeiramente contemplativos.
Vale experimentar a tristeza. Não cultuando-a infantilmente, como fez o outrora numeroso movimento emo. Mas atentos para o intimismo que ela nos revela. É bom ficar a sós conosco mesmos. Até para observar o mundo de uma maneira mais sóbria.
Escutar Moon Pix pode auxiliar nessa missão. Ele é um dos momentos em que a dita “música alternativa” fez mais sentido. Pois a maioria ainda persegue as trilhas sonoras de churrasco.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Romantismo Revolucionário, cantos 1 e 2

Lá na rua onde eu moro,
Tão fazendo um viaduto
Modernidade o caralho
Quero mesmo é criar um burro.

A Lagoa da Pampulha
Fede pra daná
Vem Aécio, vem JK,
Pro progresso nóis cheirar.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Belo Horizonte à meia-noite


Vultos se movem nas sombras. Espectros dão risadas, que ressoam malignas envolvidas pelo silêncio de todo o resto. A urbanização mineira funciona e, na madrugada, não há trânsito.

Um sujeito surge e balbucia coisas inaudíveis. Esforço-me numa leitura labial. Fracassada. Ele segura um boné, parece se tratar de uma oferta. Faço minha cara de “foi mal, não tenho dinheiro”. E é verdade, do contrário estaria num taxi.

Seria um boné roubado? Ou uma artimanha para me roubar?

À (meia-) noite, todos os gatos são pardos (assaltantes em potencial), diz a sabedoria do assistir-Jornal-da-Globo-tomando-chocolate-quente-enquanto-o-mundo-lá-fora-é-todo-malvado.

É verdade, eu corro risco. Preciso ficar alerta. Consola-me o fato de assim ser a vida, por todos os lados, perigosa. Mas o maior dos riscos, ainda acredito, é morrer de tédio.

No céu não há estrelas, apenas prédios obscuros. Tampouco vejo carruagens ou automotivos dos anos 1920 para me transportar para qualquer “Era do Ouro”. Dou-me por satisfeito em adentrar o primeiro ônibus que me levará para casa. 

Vida pé-no-chão. Tudo que reluz geralmente é ouro de tolo.

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Matemática Errada

Trinta e sete (37) abusivos graus cozinhando-a sem nenhum pudor.

Quarenta e duas (42) crianças zombeteiras remexendo-se em seus assentos, enquanto ela, no quadro, resolvia problemas matemáticos.

Sessenta e quatro (64) polutos seres humanos espremendo-a lascivamente no ônibus.

Um (01) lugar, afundado no colchão, ao seu lado. Vago.

Os números não formavam uma operação matemática. Mas Elizete queria rabiscá-los com caneta vermelha. Um (01) imenso X.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

A miséria do autor

            A tela branca. As letras, que iam pipocando, lentamente e, depois, sendo apagadas, todas de uma vez. Essa rotina lhe dava ânsia. Ficar ali, horas a fio, costurando idéias que não conseguia desenvolver. Habermas, Glauber Rocha e quem mais viesse. Nada. Não dava liga.
            Estava cansado.
            E seu vulcão interno em atividade. Quase trinta e oito graus. Garganta arranhada. Inflamação e ânsia. Sonhava em pular numa banheira com gelo. Quem sabe, com o choque térmico, encontraria a inspiração. Já de tão longe perdida. Uma tarde de trabalho para pingados parágrafos mal alinhados.
Literariamente, a mesma tragédia. Um blog às moscas. Sem rumo. Atualizações. Sem razão de ser.
            Um banho frio, por que não? Qualquer coisa que aliviasse sua febre. Já que sua miséria interna, essa não tinha remédio.
Não há paracetamol que resolva a vida de um mal escritor.
Que persiste, Deus sabe porquê.

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Reality...

            Francisco estava na cadeira de descanso. Esperava fazer a digestão para mergulhar na piscina. Estava isolado dos outros companheiros, que conversavam no interior da casa. Sentindo que o momento era oportuno, Tatyana aproximou-se dele:
            __E aí, se concentrando para a prova de hoje?
            __Não, só dando um tempo para entrar na piscina.
            __É, também vou entrar, mais tarde. Malhei de manhã para dar uma relaxada na água, agora.
            __Aham.
            __ Chicó, preciso falar algo contigo...
            __ Fala aí.
            __ Então, acho que você deve estar com raiva de mim, porque eu votei na Sassá e ela foi eliminada. Mas olha, quero te dizer que não foi nada pessoal, isso aqui é um jogo, e eu tive que votar nela. Nada contra vocês, não queria acabar com o casal da casa. Mas é que eu tinha que escolher alguém e ela foi a pessoa com quem menos tive afinidade...
            __De boa, Taty, não estou te julgando. Isso acontece, é a regra... Me dá um pouco da sua água?
            __ Claro, pode pegar.
            __A comida estava meio salgada hoje, né? Mas não liga, não fiquei com raiva de ninguém. Foi chato ir à votação do público junto com a Sassá. Nem tivemos chance de continuar juntos. Mas, de boa, eu não julgo ninguém. É o público, né?
            __É verdade. Mas bom saber que não ficou magoado. Não gosto de brigar com ninguém. Nos vemos mais tarde, então?
            __Você sabe onde eu moro... Hahaha...
            Taty foi embora e Francisco continuou na sua cadeira. Seus olhos estavam semicerrados para evitar a luz forte da vigorosa tarde. E ele pensava consigo. Não estava “de boa”. Taty e sua panela na casa não perdiam por esperar. Eles que combinavam votos, entre cochichos e troca de boatos. Envenenavam a casa com suas armações. A vez deles chegaria.
Francisco, motoboy, estava acostumado a dificuldades. Era à base de manobras arriscadas, buzinas nos ouvidos e ingestão de fumaça, que ganhava sua vida. Sempre tinha um preço. Agora, a chance da virada. Perdera Sassá no jogo, o amor de sua vida que conhecera há algumas semanas. Mas era uma provação.
No final, ele venceria. Ganharia um milhão de reais. Daria uma casa para sua mãe. Compraria uma cobertura para ele, na Barra da Tijuca. Casaria com Sassá. Ela desfilaria como madrinha de bateria em escola de samba. Ele gravaria um cd.Teriam filhos.  E coisa e tal.
... Novela.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Vocabulário ou Quando sobra o mais grave


Binóculo: instrumento para potencializar a visão em distância. Utilizado por visinhos indiscretos e em filmes de guerra com Chuck Norris.

Ciúme: temor que a pessoa amada desenvolva afeto por outro (a); amor, para além do saudável.

Helicóptero: abelha gigante de metal, com zumbido motorizado, que carrega espécimes humanos (policiais, jornalistas e abastados financeiramente, em geral).

Milionário: 1) aquele cujos bens materiais ultrapassam a quantia de um milhão de dólares estadunidenses; 2) parceiro de José Rico na dupla sertaneja Milionário & José Rico.

Traição: ser desleal com quem confia em você; ato de judasiscariotizar alguém.

Turbulência. Parado no alto, o helicóptero balança. Dentro, o milionário afrouxa a gravata. Usa um binóculo para vigiar os veículos que entram no motel. Tem ciúmes da esposa, acha que ela está o traindo. Avista um esportivo vermelho chegando na garagem. Do mesmo modelo do de sua mulher.
Se for ela, o milionário vai se jogar.
Tem farta conta bancária e, também, problemas psicológicos.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

quarta-feira, 29 de junho de 2011

O futebol, os vinte e dois atrás de uma bola e Nelson Rodrigues se revirando no caixão


            Eu não respeito quem define o futebol como “vinte e dois marmanjos correndo atrás de uma bola e milhões de bobos olhando”. E acho que o leitor deveria fazer o mesmo. Porque, tudo bem, nem todo mundo precisa gostar de futebol. Isso eu aceito. Mas esta explicação... não dá.
            Deve ser triste pensar assim. É ter uma visão objetiva e só isso. Transformar o mundo em dados, números e missões a serem cumpridas. E nada mais. É ignorar a arte. Quem define o futebol desse modo, se quiser ser coerente, deve dizer que o teatro, por exemplo, é “um bando de bobos fantasiados, fingindo ser outras pessoas”. E por aí vai.
            Eu poderia mobilizar muitos argumentos para combater essa visão simplista. Dizer das variações de narrativa dentro de um jogo, da complexidade dos personagens envolvidos, ou reivindicar a beleza estética dessa batalha campal. Mas não. Prefiro me ater ao componente emocional.
            Nada me comove mais diante de uma tevê do que a cena de um torcedor em prantos. Nenhum filme, novela (pff), Caldeirão do marido da Angélica... Nem mesmo, pasmem, os noticiários. Nesse último caso, não é algo que eu sinta orgulho, mas o jornalismo pasteuriza tanto as tragédias que é difícil não estar anestesiado.
            Agora, uma cena como a da torcida do River Plate, desesperada com o rebaixamento do maior campeão argentino, ou a perplexidade de um chico, no jogo Velez Sarsfield x Peñãrol, quando o atacante do seu time escorregou na hora de bater um pênalti. Ou, ainda, o senhor, torcedor do Botafogo, um pacato advogado de segunda a sexta, que, em uma demonstração de ira indomável queimou a camisa do seu clube na goleada diante do Vasco, no ano passado. Isso me parte o coração. Porque é a demonstração de que as pessoas ainda se comovem por algo supérfluo. É a dor que vem da alma, aquela fumacinha que, dizem, existe dentro de nós.
            Ficar emocionado quando sua casa caiu, alguma pessoa querida morreu, o seu carro foi alvejado por uma chuva de granizo, o Amin Khamel morreu (tecla de ironia)... é fácil, amigos. Afinal, você está sendo diretamente afetado. Quando se perde uma perna, existe alguma outra opção que não ficar MUITO triste? Agora, sofrer pela derrota do seu time é uma escolha. Nenhuma ponte vai cair, sua vida não estará condenada, tampouco os ursos polares vão ficar extintos. Mas, mesmo assim, você fica triste pela entidade abstrata “time de futebol” e pelo seu orgulho ferido de torcedor.
            Admiro aquilo que foge da objetividade que tentam implantar como lei suprema da vida. Chorar por futebol diz sobre a capacidade humana de desenvolver paixões, um motivo para viver bem mais nobre do que dinheiro e status.
Mas se você, ainda assim, quiser enxerga o futebol como “os vinte e dois trouxas perseguindo a pelota”, fique a vontade. Eu não julgo. Porém, discordo no mais básico: os goleiros não correm atrás da bola, logo, seriam só vinte. E esse é o problema da matemática: ela se faz de certos e errados.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

20-05-11


Gaivota é pássaro de linhas retas
Salpicando o céu nublado
O mar, azul que só pode ser marinho
É composto de fragmentos esbranquiçados
As águas estão alvoroçadas
Pois os barcos estão aí,
Sempre aí
Para cortá-las.

Atravesso a ponte elefante de concreto
Em um desses escapes que nos levam a lugar algum:
De tanto flanar, Baudelaire morreu em Paris.

quinta-feira, 12 de maio de 2011

O Pássaro Branco


Hoje, de manhã, eu vi um pássaro branco.
Saltitando pelo quintal
Entre pardais e ruídos radiofônicos
Um alento à sobriedade.
Em sua alvura, um contraste com um mundo
Do colorido promíscuo.

Na pureza que sua imagem invoca
O pássaro branco louva a liberdade
Pois só a transgressão de um canário
Cansado da apatia de sua gaiola
Dos três puleiros e nada mais
Nos proporciona seus vôos
De elegância exemplar.

Também hoje, mais tarde
Eu vi alvura
Pureza
Liberdade
Elegância
Morrerem abocanhados
Por um gato pardo.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Poemeto do Viajante

O bilhete não me dá opção
Poltrona 40, corredor
Ao lado do banheiro químico.

Quando criança, eu era feliz e engraçadinho
De lá para cá, em algum momento,
Eu devo ter errado.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

#microconto 4

Deslizava a faca na barriga suína e vibrava quando os órgãos do cadáver saltavam para fora. Era seu trabalho e ele o adorava.
Não tinha namorada. Talvez não fosse coincidência.