terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Sem título #4

Nas sextas-feiras, o marido chegava, tarde da noite, exalando álcool barato por todos os seus poros. E Glória tinha que ficar lá, passiva, em suas investidas sexuais. Era mais seguro. Até porque ele dormiria durante o ato, mesmo.

Olhando para os rabiscos que as infiltrações deixavam em seu teto, a esposa fazia as contas do mês. Janeiro era impiedoso. A farra fresca na memória do fim do ano era trocada pelo cinto apertado com os impostos e gastos escolares.

O marido já roncava.

Glória havia lido que as mulheres têm maior facilidade em fazer mais de uma coisa ao mesmo tempo. Fazia sentido.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Bolsonarianas

Higienização
A sociedade gosta
Pé na bunda dos viciados
Spray de pimenta e bala de borracha.

O país anda perdido
Uma situação deplorável
Os homossexuais se beijam nas ruas
Que cena abominável!

Não que eu tenha algo contra
Sem essa de homofobia!
Bicha é engraçado lá na novela
Aqui eu prezo pela família.

Onde andam os bons costumes?
Quanta avacalhação
Direitos Humanos, sim.
Pra gay, puta e bandido, não!

Eu pago meus impostos
Sou o mais honesto da cidade
Rezo missa aos domingos
Deus, Família e Propriedade.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Discografia Comentada: Radiohead – The King of Limbs (2011)

“Música para ouvir música para ouvir música para ouvir”, já dizia Arnaldo Antunes. É verdade, música é para ouvir. Mas, uma vez apreendida por nossos órgãos de audição, inclusive aqueles ossinhos de nomes engraçados, a música repercute nas outras formas sensoriais. Assim é com outras formas de expressão. Esse texto, por exemplo, esboça ser um caminho racional que o raro leitor pode seguir, compartilhar e curtir. Ou não.
            A fórmula das canções é bem racional em sua estratégia de tocar o ouvinte. Uma introdução que pretende chamar a atenção, trechos geralmente com versos cantados que trazem a expectativa do refrão, que é quando há o julgamento: música boa ou música ruim? Você se identifica com o ritmo, com o que é cantado, com a intensidade dos instrumentos. Ou não.
            O Radiohead trabalhou com essa fórmula com grande sucesso até Ok, Computer (1997) que é, incontestavelmente, seu maior clássico. Nele, o grupo soou pop sem ser vulgar. Melancólico, é verdade, mas esta é uma forma de não ser superficial e deve ser respeitada. Naquele álbum, estava “Paranoid Android”, uma das canções mais admiráveis que o mundo já viu.
            Depois o grupo nunca mais seguiu tão à risca a tal fórmula identificada acima. É verdade, não rompeu amplamente com ela, o que seria afrontar um formato já centenário. O Radiohead passou a fazer música que, mais do que ouvida, necessita ser sentida. Pelo corpo, mesmo. Aí, foi fundamental a apropriação da música eletrônica, que convivem com elementos do rock alternativo desde o Kid A, de 2000.
            The King of Limbs (2011) não é o melhor trabalho do grupo. Como desvantagem, o fato de ser posterior ao ótimo In Rainbows (2007). Mesmo assim, o cd do ano passado não deve ser ignorado. Escutado de ponta a ponta (ele tem menos de 40 minutos), percebe-se que o Radiohead constrói uma forte atmosfera ali. Julgar canções isoladamente não é o melhor caminho, pois há algo de complementar entre elas. Isso fica muito claro nas cinco primeiras faixas. Depois, a qualidade cai um pouco, com canções arrastadas.
Dos anos 2000 em diante, o Radiohead faz música pulsante. “Lotus Flower” é  exemplo disso, com seu clipe e a célebre dança de Thom Yorke. Ele parece estar em transe. O ouvinte de The King of Limbs fica na beira disso. Mesmo não sendo o melhor, o álbum é um indício de que a banda seguirá desenvolvendo o encontro entre rock alternativo, jazz e música eletrônica. Esta última que, para nosso alívio, é bem mais do que fazem os DJs fulano de tal dessas raves da vida.