terça-feira, 4 de novembro de 2014

País dividido

João foi ao estádio ver seu time do coração jogar. Lá, ele achou a festa bonita, tanta gente vestindo roupas com as mesmas cores que as dele, cantando e declarando amor ao União Cascalhense. Gostou do que viu. E mais: se empolgou. Inclusive porque, mal o juiz autorizou o início da partida, o centroavante de seu time puxou a bola para um lado, deixou a marcação do outro e sapecou um belo chute. 1 a 0.

Aí, João delirou. Foi abraçado por um montão de gente, berrou feito doido. E pensou: “eu pertenço a isso, sou torcedor do União Cascalhense. Aqui, todos são como eu, somos um grupo de iguais!”. Feliz com a constatação, João sorriu.

Até que a bateria da torcida começou a puxar uma música, um axé. João era roqueiro, tinha pavor desse gênero musical. Ele olhou ao redor e viu que vários colegas da torcida cantavam a música. Então, ele achou melhor repensar sua divisão. Era, sim, torcedor do União Cascalhense, mas não era igual a todos ali. Era mais igual aos torcedores do União Cascalhense que fossem roqueiros. Fez uma busca rápida: viu um cabeludo, uma moça toda tatuada e um senhor com a camisa de uma banda que ele gostava. Deviam ter outros fora do seu campo de visão.

Isso, tinha encontrado um grupo ao qual pertencia plenamente. Certo? Não. João olhou melhor e viu que o cabeludo levava, na mochila, um adesivo do candidato presidencial que ele abominava. Não, não podia estar no mesmo grupo que aquele cidadão, eles tinham visões de mundo muito diferentes. João se negava a ser igual a quem não percebia que Lucrécio era a melhor opção para o país. Fez, então, uma nova definição para o seu grupo de pertencimento: torcedores do União Cascalhense, roqueiros e que votavam em Lucrécio para presidente do Brasil.

E cebola? Não, João também não se via num grupo de iguais com pessoas que gostassem de cebola. Nananinanão, só maluco para gostar de cebolas e João não se considerava maluco. Redefiniu: sua turma era de pessoas que torciam para o União Cascalhense, escutavam rock, votavam no Lucrécio e tinham pavor de cebola.

Mas o jogo seguia e João foi prestar atenção. Ele viu, com apreensão, o adversário empatar a partida. Lamentou quando um gol contra fez a virada. Irritou-se com o terceiro gol dos visitantes. E quando o quarto tento foi anotado, ele bufou – afinal, é contra a Alemanha que estamos jogando?


Na volta para casa, envergonhado com a derrota acachapante, João refletiu sobre o grupo de iguais que havia imaginado. E pediu para sair – já não estava assim tão convicto como torcedor do União Cascalhense.