segunda-feira, 27 de setembro de 2010

O último dia de Tico Carvalho

Ângela Maria (doméstica): “Já é pra falar? Ah... é, naquele dia eu cheguei 8:30 na casa do seu Tico, que é o horário que a gente combinava. Ele dormiu até umas 10h. Eu já tinha colocado a mesa do café. Ele gostava de cafezão, sabe, de novela mesmo. Suco, leite, bolos, pão, até queijo, ele fazia questão de tudo. Mas ele não acordou muito bem, acho que tava de ressaca, preferiu tomar Coca Cola. Ficou lá quieto, seu Tico não é de falar durante o café. Cantava baixinho e às vezes fazia algumas anotações. Comeu pouco e, quando levantou, brincou um pouco comigo. Sabe, eu trabalho com ele já tem algum tempo, a gente tinha alguma liberdade. Então, me pareceu que ele estava bem, que era só ressaca, mesmo. Perguntei o que ia querer para o almoço e ele pediu coisa simples, bife como saladas e purê. Seu Tico saiu já era umas 11 horas. Foi andar na praia. Ele sempre fazia isso”
Seu Rubinho (dono de quiosque): “O Tico vinha duas vezes por dia no meu quiosque. De manhã, dizia que estava buscando inspiração. Não trazia o violão, geralmente estava de bermuda, camisa meio desabotoada e com os cabelos soltos. Fazia uma caminhada e aqui era o ponto final. Parava, pedia uma caipirinha e ficava olhando para a praia. Mexia com algumas das meninas aqui do Leblon, jogava uma altinha com os moleques, ficava curtindo a manhã. Tinha um caderno que ele sempre trazia e anotava algumas coisas. Naquele dia, ele não estava muito disposto, nem cantar as moças ele cantou. Mas escreveu bastante, devia estar trabalhando com alguma coisa. Era um barato ver ele aqui, posso dizer que pelo menos metade dos discos dele foram compostos ali, ó, naquela mesa.”
Clara Martins (promoter): “Ai, nem gosto de lembrar! É, eu falei com ele naquele dia, mas olha, tô arrepiada de pensar nisso! Liguei para ele e marcamos de nos encontrar naquele quiosque daquele senhor, Rubens. Estávamos trabalhando num projeto, ai, será que eu falo? Ah, agora tanto faz, né? Ia ser um desfile, de moda bem carioca, praiana mesmo, sabe? E ele ia fazer a trilha. Ia ficar perfeito, né? As músicas dele, a moda, muito lindo. Encontrei com ele ali, meio dia e meia, mais ou menos. O dia estava ótimo! E o Ti tinha tantas idéias bacanas! Ai, que horrível isso tudo... Chamei ele para almoçar comigo, num hotel ali perto, mas ele disse que ainda precisava pensar em outras músicas. Se despediu com um “nos vemos em outra oportunidade”. Olha só! Poxa, Ti, vai ser em outro plano, mas vamos nos ver, sim.

Continua...

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Uma ressurreição para o MC Lobo Mau

MC Lobo Mau havia se surpreendido com o convite. Há anos no ostracismo de “ex semifamoso”, já perdera o nome artístico e atendia apenas pela alcunha que seus pais haviam escolhido, Claudinei. Ou Nei, mesmo. Os tempos em que despontou da periferia carioca para todo o território nacional com o hit “O Lobo Mau quer comer a Chapeuzinho” eram um pretérito bem perfeito.
Porém, estaria por vir uma ressurreição? Existia uma esperança. Nos últimos meses, alguns companheiros do movimento funk estavam sendo recuperados por promotores de bailes. Surgia uma onda retrô. Lobo Mau, nessa expectativa, teve uma grata surpresa quando um programa de tv o convidou para um número ao vivo. Transmissão para todo o Brasil, num canal que, se não era dos grandes, ao menos era um médio bem sucedido. Tudo para ser um trampolim para uma volta triunfal.
No camarim, alguma apreensão. Há três anos contados não se apresentava em público. Os versos e os passos da dança permaneciam bem vivos em sua memória, não os esqueceria jamais. O corpo, em contrapartida, era um problema. Claudinei engordara cerca de 15 quilos desde seu período áureo e a voz, que nunca fora grandiosa, estava ainda mais desgastada. A ansiedade ele controlava com generosos goles de uísque, costume construído quando seu hit o fazia faturar mais do que sonhara. Só que, na medida em que a fama foi se esvaindo, o uísque se tornava menos envelhecido, menos escocês. Só o consumo, porém, continuava a fartas doses.
Ia dar certo, ele sabia. E como esperava por isso! Desde que os shows escacearam, Claudinei virara empresário, administrava um bar e uma mercearia em sua comunidade. Mas odiava aquilo. Fazer contas era insuportável. Era feliz quando podia deixar R$50,00 para as garçonetes que o atendiam bem. Agora, pechinchava até no salário dos seus funcionários. Não era a vida que queria.
Então, a apresentadora anunciou e o MC Lobo Mau veio ao palco. Cantou e dançou seu grande sucesso com tudo o que tinha. O público o acompanhava. Quando a música acabasse, pediria para cantar uma música inédita, versos em que vinha trabalhando recentemente. Lobo Mau sonhava alto, já planejava um novo cd. Ressurgir.
O programa de tv, entretanto, tinha outros planos. Depois de executar “O Lobo Mau quer comer a Chapeuzinho”, a apresentadora chamou outra convidada ao palco. Um rosto bem conhecido por Claudinei. Não só o rosto. A grande atração do programa não era nenhum funk recuperado, mas a acusação de paternidade não reconhecida. Nada de batidão, o que se ouviria na próxima hora eram ataques morais. E, acuado, o Lobo Mau percebeu que seria preciso mais do que dentes grandes para recuperar seu papel nesse conto de fadas. Com mais uma boca para alimentar, começaria a trabalhar mais cedo.