terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Flashes na Escuridão - 2º capítulo

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José Márcio não costuma prestar atenção a detalhes. Por isso não percebeu quando o som do frigobar, ao lado, da cama parou. Também não viu que na tv desligada, desapareceu a pequena luz, indicadora de que era só apertar o “power” do controle remoto para despertá-la. A cidade toda aprofundava-se em trevas absolutas e ele e Laura enlaçavam-se em uma escuridão privada.
As luzes apagadas era rotina para os amantes, talvez para amenizar a sensação de pecado. Era um caso de conveniência: ele precisava de alternativas para o casamento insosso e ela, de afagar o fragilizado ego de solteira aos 30 e poucos. Não precisavam de ser românticos um com o outro, sequer de lembrar o passado ou projetar o futuro da relação. Sem conversas. Apenas ação.
Na extrema ausência de luz, contra-atacava o celular de José Márcio, piscando incessantemente. Ligações e mais ligações de sua esposa. Preocupada, ela ligara para o hospital onde o marido teria uma emergência médica. Ele não estava lá. E ela, que sempre ignorava os indícios de traição, começaria a desconfiar da passividade com que seu esposo aceitava a conversa sobre dor de cabeça.
Finalizado o ato, Laura e José Márcio comungavam do mesmo cigarro e silêncio. A janela entreaberta do quarto de hotel denunciava uma tonalidade misteriosa no escuro da noite. Obviamente, nenhum dos dois observou isso. Márcio levantou para se vestir e, enfim, percebeu que o blecaute estava acontecendo. Despediu-se com um beijo e deixando um cigarro extra. Laura ficaria no quarto até o dia seguinte, aproveitando a diária paga.
Ao sair do quarto, José Márcio viu no celular as chamadas não atendidas. Teria que pensar em outra desculpa para a mulher, paciência. O que o irritou de verdade foi perceber que o elevador não estava funcionando. Sete andares para baixo e outros oito para subir, quando chegasse em casa. Nessa experiência com degraus, o médico poderia aprender que depois do terceiro lance de escadas, suas pernas ficavam amortecidas e a atividade nem era tão desgastante assim. Mas ele não prestava atenção em detalhes.

5 comentários:

  1. belo texto... mas acho que ninguém conseguiria descer e subir tantos degraus após finalizar o ato com a Laura, ela é muito safadinha. rs...

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  2. pois eu se fosse a esposa, ja ia chegar na voadora!

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  3. Subir (pu descer) tantos degraus depois de uma foda não é nada fácil. Ainda mais para alguém acostumado com as belezas da vida sedentária.

    Legal também é que dá pra refletir como um evento como este blecaute podem mudar rotinas de pessoas, ou fazê-las mais sensíveis a alguns detalhes que passavam desapercebidos.

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  4. zorba!!! putz! doido! tenho lá em bh.. vou ver!
    mas zezin safadin, hein? apenas ação! isso é doido!!! sobra-me a falta desse detalhe.

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  5. Nada como um blecaute para a passividade ser movimentada.

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