segunda-feira, 10 de maio de 2010

Flashes na Escuridão - Capítulo 7

7
Laura finalizava seu cigarro quando, com um beijo breve, José Márcio partiu do quarto. No hotel, tudo estava quieto. Ou, ao menos, os sons não eram vigorosos o bastante para atravessar paredes. E, da porta, ela escutou seu companheiro praguejar diante do elevador e seguir para as escadas. A presença dele ia se dissipando lentamente, na medida em que mesmo o som da sua decida pelas escadas se perdia. Ela estava só, novamente.
Da cama, com o cigarro já acabado, ela tentou ligar a tv. Nada. Tentou acender o abajur. Nada. Então, levantou-se, seminua, e foi até a janela. Lá fora, tudo escuro. Até seus olhos se acostumarem com a falta de luz. E ela pôde perceber movimentações nos apartamentos do prédio em frente. Fantasmagóricas luzes de velas locomoviam-se enquanto outros semblantes faziam como ela e espiavam a rua. Em um dos apartamentos, Laura pode distinguir cachorros e pombas de sombra. Algumas crianças deviam estar matando o tempo com brincadeiras diante de alguma chama. Por mais que a escuridão pudesse, aparentemente, também apagar as pessoas, elas continuavam ali. Apavoradas, entediadas, mas ainda ali.
E Laura, sozinha. A solidão no escuro é pior, pois nem a distração das informações visuais está presente. Somos apenas nós e nossos sentimentos. Talvez, o encontro mais assustador possível. Nessa situação, Laura se deparava com sua angústia, escancarada, e não tinha para onde desviar o olhar. A vida profissional, durante os últimos anos o único foco de sua atenção, ia bem. Mas ser bem sucedida já não a preenchia. Tampouco o amante surtia o efeito de antes, quando os encontros às escuras davam injeções de ânimo que há muito ela ignorava.
Sentir essa angústia, porém, não era novidade para Laura. Era um problema diagnosticado e ela pretendia saná-lo. Por isso, ela voltou para a cama e acendeu o último cigarro do maço. Calma. Há dois meses ela não tomava a pílula anticoncepcional. Pelas suas contas, aquele era um dia fértil. Com alguma sorte, aquele seria seu último cigarro em nove meses. E, então, ela não estaria mais só.

4 comentários:

  1. caro, obrigada por teus comentários em meu blog. vim ler os teus também. e segui-lo.

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. (cometi um erro crasso de concordância, por isso apaguei o anterior... hahahaha, é a noite)
    Eis o comentário corrigido, na íntegra:
    Talvez o mais pulp de todos, esse 7. Fiquei em todas as suas colocações tipo "...também apagar as pessoas, elas continuavam ali. Apavoradas, entediadas, mas ainda ali". E sim, é um bom texto.
    Ainda não deu pra ouvir o disco do post anterior. Mas consegui sacar que você já tem quase um livro de contos com esses flashes.

    Ou uma série de curta-metragens (sim!)

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  4. E uma pergunta:

    você já leu F. Scott Fitzgerald? Vi a cine-biografia dele, é bem feita... com um dos meus "atores prediletos de todos os tempos", Gregory Peck. Aí pensei em comprar aos poucos alguns livros da chamada Lost Generation... eu só li o Hemingway. Dá uma olhada nesses caras!

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