sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Como não me tornei jogador de futebol

A história seria assim: anos nove anos, meus pais me colocaram numa escolinha de futebol. Apesar de magro, logo comecei a me destacar jogando na defesa, com desarmes cirúrgicos. Fui me aperfeiçoando e me tornei um zagueiro de classe. Era disputado na cidade em campeonatos de várzea e vencedor com o time do colégio. Aos dezesseis anos, participei de peneira no Guarani, de Campinas. Passei e, dois anos depois, me tornei profissional. Virei pagodeiro e mulherengo. Joguei por clubes grandes do Brasil e atuei por equipes medianas da França e da Itália. Encerrei minha carreira numa volta às origens, jogando sem salário pelo Atlético Tricordiano.
Obviamente, se assim tivesse sido, haveria um “não” sobrando no título. O leitor interessado na “verdade” pode guardar só a primeira frase ali de cima, a da escolinha de futebol. Nela, aprendi fundamentos como cabecear, tocar, correr com a bola, entre outros. Participei de amistosos pelo sul de Minas e até de um internacional, contra um time japonês que excursionava pelo Brasil. Recebi várias palestras do tipo “sou vivo, não uso drogas”, inclusive uma, no CT do Palmeiras, com o Profexô, conhecido pela Luciana Gimenez como “Luxesburger”. Aprendi que mesmo uma água de galão com gosto estranho podia ser melhor do que Coca-Cola quando se jogava no sol das 14 horas. Que os seus colegas te chamam de “baixinho” mesmo que sejam menores do que você. E que vestiários cheiram a urina.
Mas eu não seria um jogador de futebol. Sequer existia essa ilusão para o treinador, meus pais e mesmo para mim. Meu desafio era ao menos jogar dignamente – o que até chegou a ocorrer quando, anos depois, no futsal, eu era um fixo razoável com chances de ir para o time do colégio. Só que nunca levei o menor jeito com esportes, o que não surpreende ninguém que me conheça. E essa experiência de escolinha tinha tudo para ser traumática. Eu não jogava bem, era mais novo que os outros garotos, era bastante protegido (um desses “meninos de apartamento”, embora morasse em casa) e sofro de timidez crônica. Nesse contexto, eram consideráveis as chances de eu ser esmagado por tal ambiente. Não foi o que ocorreu, entretanto. Embora não fizesse “amigos do peito” eu tinha uma boa relação com a maioria dos colegas. Mesmo sem me integrar plenamente, consegui me adaptar ao “mundo do futebol infantil”.
E assim costuma ser. Apesar da minha “total falta de malemolência”, nunca fui daqueles meninos que lancham na sala de aula, com a companhia dos girinos da aula de ciências. Integração social nunca foi o meu forte, mas não me vejo levando algum episódio de exclusão para um divã. De algum modo, eu sobrevivo.
Não tenho uma história gloriosa como a do primeiro parágrafo. Virei um escritorzinho voluntário de horas vagas e um “dente-de-leite” na modalidade intelectual. Estou em contagem regressiva para adentrar numa crise homérica do tipo “o que eu faço agora? eu preciso de um emprego”. Quando ela se estabelecer, espero lembrar que, por mais feio que o diabo seja, até que nossa vida termine (tabelinha com o texto anterior!) a gente sobrevive. Se não der para fazê-lo bem, fica como meta alcançar a dignidade.

Um comentário:

  1. Adoro a acidez do seu humor - mesmo quando é você a vítima dele.
    Eu seria sua fã, se já não o fosse. :-)

    Beijo!

    ResponderExcluir