quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Um Conto de Natal

O despertador gritava ensandecidamente, mas Papai Noel relutava em levantar. Era véspera de Natal, dia intenso no Pólo Norte. Qual saco levaria o quê, o itinerário a ser traçado, o esquema de distribuição dos presentes... tudo era definido naquele momento. Como um grande general, o bom velhinho tomava as rédeas e definia o passo a passo daquela longuíssima meia-noite que o aguardava. Assim era habitualmente, mas não naquele ano.
Era o primeiro Natal depois da morte da Mamãe Noel e ele sentia falta de sua esposa. A convivência dos dois não era livre de indisposições, a mulher não aceitava o pouco crédito que levava, apesar do toda a sua participação na preparação do Natal. O velho, por sua vez, conservador, achava que era assim que tinha de ser. Agora, sozinho no comando, ele se sentia perdido. Não encontrava motivação em seguir só.
Porém, ele precisava levantar. Tomou, aos resmungos, o café que uma duende havia preparado. Há tempos Papai Noel estava mal humorado, nem seus antidepressivos davam conta. Ralhou com os duendes, questionou a capacidade das renas. Pela primeira vez não haveria a Grande Festa de Pós-Natal, evento no qual compensava seus duendes pelo serviço intenso e não remunerado. Naquele ano, haveria folga e nada mais.
Noel não encontrava inspiração para trabalhar. A logística do trajeto da mágica natalina não se delineava fácil em sua mente. Praguejava contra o destino, que o incumbira de tamanha responsabilidade. Tudo que queria era ser um velhinho, aproveitando das filas com prioridade e da liberdade para deseducar os netos.
Então Rufus, um duende esperto, percebeu que o estresse de Papai Noel não seria tratado com remédios que não atingissem a alma. Buscou uma garrafa de vodca e disse para seu patrão: “Noel, se não dá para fazer o Natal do jeito que deve ser feito, que seja feito no jeito que der”. O patriarca natalino entendeu o recado. E pediu outra garrafa, pra garantir a magia.
Aquele ano ficou conhecido como “O Natal Surpresa”. O bom velhinho atrasou em algumas casas, trocou diversos presentes e não foram poucas as crianças que juraram ter visto Papai Noel tropeçando na árvore de Natal ou seu trenó em trajetos irregulares pelo céu. Mas foi uma noite diferente. E a festa do dia 26, então cancelada, aconteceu por dias.
Foi assim que Papai Noel, mais uma vez, salvou o Natal. Só que, desta vez, dele mesmo.

3 comentários:

  1. Ótimo! Seu senso de humor ácido é muito bom. Só pessoas inteligentes têm essa capacidade.

    E eu rolei de rir com o "Pós-Natal"... :D

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  2. Depois de um tempo, o Papai Noel descrito fica mais adequado à imagem do Natal mesmo... Excelente texto!

    Beijo!

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  3. Muito bom texto! Muito bem escrito! Excelentes reflexões natalinas! =]
    Obrigada por passar lá no blog! ^^

    beijoss

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