domingo, 21 de novembro de 2010

Viajante Solitário

Nas costas, a mochila pesada, uma bolsa ajeitada no ombro e, nas mãos, um milk shake e a passagem, que estendo ao motorista. Não devo ser uma das figuras mais apreciáveis nessa situação, mas ela escancara o quão despreocupado estou. Com tudo. Isso é o bom de viajar, rodeado de estranhos, é mais fácil ignorar o mundo ao seu redor.
Serão doze horas pela frente. Volta de Brasília para Belo Horizonte. Ônibus cheio, o que elimina a vã esperança de ter uma poltrona só para mim. Agora, espero somente que não seja nenhum folgado o que vá sentar ao meu lado, muito menos que ronque.
Na minha janela, tento ignorar o resto. As sociabilidades se formando nas poltronas ao redor, os afobados tropeçando rumo ao banheiro, o cheiro dos lanches sendo abertos. Inclusive a mulher que brada estar sendo assaltada pelo colega do seu lado. Ele retruca chamando-a de louca. Deixo o posicionamento para meus demais colegas de viagem. Bate-boca para os ávidos no Programa do Ratinho da vida real, prefiro traçar pensamentos que mal conseguem se fazer coesos.
A experiência da estrada é sempre valiosa. Porque no deslocamento físico encontramos, talvez, a metáfora que reproduzimos diariamente. Ir de encontro a algo, desconhecido ou não, carregando nossas expectativas de que “everything is gonna be all right”. Trazer na bagagem a idéia do recomeço, que nos purificará dos erros já cometidos. Ou, simplesmente, vivenciar esse mundo de idas e vindas, dinâmico. Aliviando-nos da angústia de não “se encaminhar”, é bom apreciar a certeza de que são muitos os caminhos para errarmos, como um bêbado voltando para casa de manhã.
Viajar é bom, principalmente quando não estamos impregnados pelas ilusões de certezas. Deixar nossa linha de pensamento ir se enroscando livremente. Sem pretender nem mesmo tirar inspiração para algum bom texto (o que, definitivamente, não acontece aqui). Certamente ainda há muito para se preocupar. Mas eu prefiro focar minha atenção na tarefa de trazer ilesas as duas plantas hidropônicas que levo de souvenir.

2 comentários:

  1. Belo texto e concordo (já senti) vários dos sentimentos aqui descritos.

    Morei longe "de casa" muito tempo e cada visita era um momento único.

    Parabéns pela 'poética'.

    blog
    Site Comunidade Literária Benfazeja

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  2. Viajar sozinho é sensacional, e você descreveu muito bem. O banco de ônibus encerra diversos paradoxos se se é um viajante solitário. É estar parado e em movimento ao mesmo tempo; sozinho e acompanhado; silencioso e em diálogo. E é isso o mais espetacular: o que se vê de fora não é o que vai dentro. O que se vê de fora é o óbvio, é o que qualquer anta veria. O que vai dentro é acessível somente ao viajante.

    Excelente blog, Nando! Com um pouco mais de tempo eu o lerei de cabo a rabo. Mas já gostei bastante do que li.

    Aproveito para deixar o endereço do meu recém-criado blog; você me alegraria muito se passasse por lá, quando pudesse:

    http://oalbergue.blogspot.com

    Para mostrar que eu também compartilho a metáfora da viagem e do deslocamento... :D

    Grande abraço!

    Léo.

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