quarta-feira, 29 de junho de 2011

O futebol, os vinte e dois atrás de uma bola e Nelson Rodrigues se revirando no caixão


            Eu não respeito quem define o futebol como “vinte e dois marmanjos correndo atrás de uma bola e milhões de bobos olhando”. E acho que o leitor deveria fazer o mesmo. Porque, tudo bem, nem todo mundo precisa gostar de futebol. Isso eu aceito. Mas esta explicação... não dá.
            Deve ser triste pensar assim. É ter uma visão objetiva e só isso. Transformar o mundo em dados, números e missões a serem cumpridas. E nada mais. É ignorar a arte. Quem define o futebol desse modo, se quiser ser coerente, deve dizer que o teatro, por exemplo, é “um bando de bobos fantasiados, fingindo ser outras pessoas”. E por aí vai.
            Eu poderia mobilizar muitos argumentos para combater essa visão simplista. Dizer das variações de narrativa dentro de um jogo, da complexidade dos personagens envolvidos, ou reivindicar a beleza estética dessa batalha campal. Mas não. Prefiro me ater ao componente emocional.
            Nada me comove mais diante de uma tevê do que a cena de um torcedor em prantos. Nenhum filme, novela (pff), Caldeirão do marido da Angélica... Nem mesmo, pasmem, os noticiários. Nesse último caso, não é algo que eu sinta orgulho, mas o jornalismo pasteuriza tanto as tragédias que é difícil não estar anestesiado.
            Agora, uma cena como a da torcida do River Plate, desesperada com o rebaixamento do maior campeão argentino, ou a perplexidade de um chico, no jogo Velez Sarsfield x Peñãrol, quando o atacante do seu time escorregou na hora de bater um pênalti. Ou, ainda, o senhor, torcedor do Botafogo, um pacato advogado de segunda a sexta, que, em uma demonstração de ira indomável queimou a camisa do seu clube na goleada diante do Vasco, no ano passado. Isso me parte o coração. Porque é a demonstração de que as pessoas ainda se comovem por algo supérfluo. É a dor que vem da alma, aquela fumacinha que, dizem, existe dentro de nós.
            Ficar emocionado quando sua casa caiu, alguma pessoa querida morreu, o seu carro foi alvejado por uma chuva de granizo, o Amin Khamel morreu (tecla de ironia)... é fácil, amigos. Afinal, você está sendo diretamente afetado. Quando se perde uma perna, existe alguma outra opção que não ficar MUITO triste? Agora, sofrer pela derrota do seu time é uma escolha. Nenhuma ponte vai cair, sua vida não estará condenada, tampouco os ursos polares vão ficar extintos. Mas, mesmo assim, você fica triste pela entidade abstrata “time de futebol” e pelo seu orgulho ferido de torcedor.
            Admiro aquilo que foge da objetividade que tentam implantar como lei suprema da vida. Chorar por futebol diz sobre a capacidade humana de desenvolver paixões, um motivo para viver bem mais nobre do que dinheiro e status.
Mas se você, ainda assim, quiser enxerga o futebol como “os vinte e dois trouxas perseguindo a pelota”, fique a vontade. Eu não julgo. Porém, discordo no mais básico: os goleiros não correm atrás da bola, logo, seriam só vinte. E esse é o problema da matemática: ela se faz de certos e errados.

3 comentários:

  1. Muito bom, Nando, muito bom. O futebol faz parte daquelas coisas que nos fazem humanos. E, ao fim, são as paixões, os pathos da alma, que nos fazem diferentes do resto do mundo físico e rasteiro.

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