sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Selfieneral

A morte do ex-governador de Pernambuco, o candidato à presidência Eduardo Campos, comoveu milhões de brasileiros. Além de adorado por grande parte da população de seu estado, o neto de Miguel Arraes era a esperança de alguns eleitores, o nome da vez para a tal “renovação na política” (não sei se filho/ neto de peixe é, além de peixinho, renovação. Mas não vem ao caso). E, independente de quem seja, a interrupção abrupta de uma vida é sempre merecedora de pesar.

Em contrapartida, causou estranhamento a quantidade de selfies (as fotos de si mesmo) tiradas durante o velório de Campos. Emblemática foi a imagem de uma mulher, jovem, erguendo o celular, tombando a cabeça para o lado e mobilizando a musculatura facial em um sorriso. Tudo, claro, com o caixão ao fundo. Virou même.

O fenômeno das selfies tem uma justificativa tecnológica: com celulares e tablets é possível ao modelo ser também o fotógrafo, visualizando o enquadramento na tela, arrumando o beicinho e, olha o passarinho!, tirar a foto. No passado, sobretudo antes da era digital, apertava-se o botão e só quando era feita a revelação do filme saberíamos se a foto ficou boa. Isso se não queimava. Aí, já era, o momento histórico ficaria somente na memória.

Há, porém, mais por trás das selfies do que só tecnologia. É a reinvenção do mito de Narciso. Na mitologia grega, o jovem se apaixonou pela própria imagem refletida na água de uma fonte e morreu se contemplando. No século XXI, ele tiraria uma foto no celular e já compartilharia no Instagram, com alguns filtros para ficar mais bonito/ estiloso, e ficaria se admirando em casa, enquanto os amigos lhe dão “like”. (E eu já tratei do tema aqui )

A cultura da selfie diz mais ou menos assim: “é preciso registrar tudo. Mas não só registrar, ME registrar, também. E quem melhor para ME registrar do que EU mesmo?” É muito autoamor, muita autodevoção. Narciso curtiu.

Com tanto amor próprio que as pessoas acabam perdendo a noção do que está acontecendo ao redor. Esquecem que há um mundo bem mais complexo do que a timeline do Facebook. Pouco importa se tem sete mortos e suas famílias ou se um furacão devastou Nova York (não foi selfie, mas a Nana Gouveia também já aprontou com o bom senso, lembram?). No mundo da selfie o outro é importante, sim, na medida em que gera “likes”, compartilhamentos ou comentários como “lindos! amuuu” e por aí vai.

Ou seja, com tanta tecnologia promovendo a comunicação, a adoração própria faz o padrão geral ser o monólogo. E aí, não importa se é momento de tristeza, o importante é o fetiche da imagem de si mesmo. É preciso, mais do que experimentar o mundo, registrar-se experimentando o mundo.

Definitivamente, o “Vórtice de Perspectiva Total” como instrumento de tortura nunca fez tanto sentido. Descrito no livro “O restaurante no fim do universo”, de Douglas Adams, o "Vórtice" mostra a quem está em seu interior sua importância na perspectiva do universo. Ou seja, um pontinho invisível sobre outro pontinho mínimo.


Mas, e aí, á fez uma selfie hoje e desejou bom dia aos amigux?

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